Estudos clínicos com células-tronco: o que podemos esperar em 2017

Estudos clínicos com células-tronco: o que podemos esperar em 2017

Apesar de tumultuado, 2016 também foi um ano de grandes estudos clínicos com células-tronco!

Elencamos aqui alguns dos mais importantes trabalhos e estudos clínicos com células-tronco desenvolvidos no ano que passou, bem como as perspectivas para 2017: 2016 começou com uma atmosfera de preocupação, quase pânico, no Brasil – a qual se espalhou para outras partes do globo também – em razão da assombrosa ameaça do vírus Zika.

O elo entre o Zika e a microcefalia em bebês de grávidas infectadas pelo vírus já começara a se estabelecer no final de 2015, mas no ano de 2016, com esforços de cientistas especialmente do Brasil, as provas dessa conexão começaram a se estabelecer. E as células-tronco foram fundamentais para isso: utilizando células-tronco neuronais criadas em laboratório e cultivadas em um sistema em 3D chamado de “mini-cérebro”, dois grupos de cientistas brasileiros mostraram que o vírus Zika levava estas células à morte, ao mesmo tempo em que impediam sua proliferação. O mais interessante é que o mesmo não acontecia quando as mesmas células eram infectadas com vírus da dengue (Garcez et al., Cugola et al.).

Assim como os cientistas utilizaram os “mini-cérebros” no estudo do Zika, outros “mini-órgãos” têm sido desenvolvidos a partir de células-tronco para estudo das mais variadas doenças. As técnicas para o desenvolvimento destes mini-órgãos em laboratório vêm sendo aprimoradas, e ao longo de 2016, modelos de mini-rins, mini-intestinos ou mini-fígados cada vez mais representativos da complexidade real destes órgãos foram criados (Workman et al., Broutier et al.).

Já no caminho para o tratamento da infertilidade, os cientistas conseguiram produzir gametas femininos e masculinos a partir de células-tronco embrionárias de camundongos (Hikabe et al., Zhou et al.). E o mais importante: estes gametas se mostraram viáveis, ou seja, foram capazes de se unir ao gameta oposto, dando origem a um novo animal.

Em 2016, uma outra tecnologia ganhou os noticiários em vista de seus potenciais usos, especialmente quando associada às células-tronco: a técnica CRISPR-Cas9. Esta técnica, que foi desenvolvida em 2013, permite editar o genoma de uma célula de uma forma razoavelmente simples e exatamente no ponto do genoma em que se deseja. Dessa forma, seria possível eliminar mutações que levam a doenças, ou “desligar” o funcionamento de um gene visando um efeito benéfico para o paciente. Em outubro, um grupo de cientistas chineses anunciou ter realizado o primeiro estudo clínico com células-tronco manipuladas com a técnica de CRISPR-Cas9.

O paciente tratado foi um indivíduo portador de um câncer de pulmão. O paciente teve as células de sua medula óssea destruídas e então substituídas por células-tronco do próprio paciente, como em um transplante de medula usual. Porém, estas células-tronco (as quais darão origem às células do sistema imunológico) tiveram seu genoma editado, mais especificamente, modificando um gene que controla a resposta imunológica. A expectativa dos cientistas é que, “desligando” este gene, as novas células do sistema imune agora passarão a atacar as células cancerígenas, o que elas não fazem quando este gene está em funcionamento. Os resultados deste primeiro teste clínico ainda não são conhecidos, mas o estudo prevê o teste de mais 9 pacientes.

O que esperar dos estudos clínicos com células-tronco em 2017?

Ainda falando sobre CRISPR-Cas9, um outro estudo clínico já aprovado está previsto para ser iniciado em Março deste ano, nos estados Unidos. Este estudo também visa tratar pacientes com câncer e segue a mesma lógica do estudo chinês: o objetivo é editar o genoma de células-tronco que darão origem a células do sistema imune de forma que possam atacar de forma mais potente as células cancerígenas. Devemos esperar para o ano de 2017 outros estudos clínicos com células-tronco manipuladas por CRISPR-Cas9, especialmente quando os primeiros resultados apontarem a segurança desta abordagem.

Também em 2017, é muito provável que sejamos surpreendidos com boas notícias sobre estudos clínicos com células-tronco que vêm sendo conduzidos há alguns anos, particularmente alguns estudos relacionados a diabetes, lesão medular e degeneração macular (uma doença que leva a cegueira).

As células-tronco continuarão se mostrando ferramentas fundamentais nos estudos sobre o Zika vírus também: utilizando estas células, os cientistas esperam esclarecer se fatores genéticos influenciam a susceptibilidade a microcefalia em fetos de mães infectadas e buscar por medicamentos que possam impedir a ação devastadora do vírus para a formação do sistema nervoso.

Mas um fato que preocupa os cientistas neste ano que se inicia é quais impactos a nova administração de Donald Trump poderá ter para a ciência nos Estados Unidos (e quiça, para o mundo). Primeiramente porque sua postura com relação a esta questão não foi muito debatida durante sua campanha e, assim, não é possível saber exatamente o que esperar. Em segundo lugar, porque algumas de suas declarações indicam uma assustadora falta de conhecimento sobre diversos aspectos dentro da ciência, como sua opinião de que o aquecimento global é uma mera invenção dos chineses.

Mas para nos atermos a área da saúde, aqui vão dois exemplos do que tem despertado a preocupação dos cientistas: Donald Trump declarou que acredita na – já retratada – história da ligação entre vacinas e autismo. Esta hipótese, levantada no final da década de 90 e que já se comprovou ser infundada (https://www.cdc.gov/vaccinesafety/concerns/autism.html), levou muitos pais a não vacinarem seus filhos, aumentando a incidência de doenças como sarampo, rubeola e caxumba em países da Europa. Outro exemplo é uma informação que se encontra na sua recém publicada agenda de políticas voltadas à saúde pública: de que sua administração pretende promover uma reforma do FDA (o órgão que controla a liberação de produtos alimentícios e medicamentos para comercialização), de forma a fazer com que o órgão “foque principalmente na necessidade dos pacientes por novos e inovadores produtos médicos”.

Para muitos cientistas, esta afirmação está sendo vista como sinônimo de um afrouxamento da fiscalização, o que preocupa muito especialmente em função da proliferação de clínicas que oferecem tratamentos não comprovados cientificamente com células-tronco e (pior ainda) cobram por isso.

Apesar dessas preocupações, vimos que muitas perspectivas boas na área das células-tronco apontam no horizonte de 2017 e, assim, podemos ter esperança que neste ano muitos novos passos rumo a novas descobertas úteis para saúde humana serão dados! Acompanhe nosso Blog e saiba tudo sobre os novos estudos clínicos com células-tronco!

 

Referências

Broutier L et al. Culture and establishment of self-renewing human and mouse adult liver and pancreas 3D organoids and their genetic manipulation. Nat Protoc. 2016 Sep;11(9):1724-43. doi: 10.1038/nprot.2016.097.

Hikabe O et al. Reconstitution in vitro of the entire cycle of the mouse female germ line. Nature. 2016 Nov 10;539(7628):299-303. doi: 10.1038/nature20104.

Workman MJ et al. Engineered human pluripotent-stem-cell-derived intestinal tissues with a functional enteric nervous system. Nat Med. 2016. doi: 10.1038/nm.4233.

Zhou Q, et al. Complete Meiosis from Embryonic Stem Cell-Derived Germ Cells In Vitro. Cell Stem Cell. 2016 Mar 3;18(3):330-40. doi: 10.1016/j.stem.2016.01.017.


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