O cultivo de células-tronco em laboratório pode mudar a forma como fazemos o diagnóstico e tomamos decisão sobre o tratamento dos mais diversos tipos de doenças.
Terapia celular é o transplante ou injeção de células vivas em um paciente, a fim de substituir ou regenerar células ou tecidos danificados. Esse é o uso mais conhecido das células-tronco, mas certamente não é o único. O cultivo de células-tronco em laboratório pode mudar a forma como fazemos o diagnóstico e tomamos decisão sobre o tratamento dos mais diversos tipos de doenças. Além disso, pode ajudar a gerar mais medicamentos, de melhor qualidade e em menor prazo. No futuro, pode acabar com a fila para transplante de órgãos e com a falta de sangue nos hospitais. Veja abaixo alguns dos usos mais empolgantes de células-tronco – além da terapia celular.
Células-tronco para gerar órgãos e mini-órgãos em laboratório
A escassez crônica de órgãos para transplante motiva pesquisadores em todo o mundo a encontrar alternativas. Células-tronco podem ser usadas para criar um órgão sob medida e personalizado para um determinado paciente, sem fila de espera e sem risco de rejeição. Alguns tecidos de estrutura mais simples já estão disponíveis agora mesmo: vasos sanguíneos, vias aéreas superiores e partes de órgãos sexuais já foram criados em laboratório e transplantados – com sucesso – em humanos. O grande desafio agora é formar em laboratório órgãos mais complexos, como o fígado ou coração, e mantê-los funcionais, primeiro no laboratório e depois no corpo. E o mais interessante é que esses órgãos têm usos que vão além de transplantes.
Pequenas porções de fígado funcional já são feitas em laboratório, e são usadas por centros de pesquisa para testes de toxicidade de novos medicamentos. Essas porções já foram implantadas em ratos, e se mostraram capazes de substituir um fígado completo por meses. Para se obter um resultado equivalente em humanos, no entanto, dezenas de milhares dessas pequenas porções precisariam ser implantadas, porque ainda não se descobriu como gerar um fígado do tamanho do órgão humano em laboratório.
Estamos cada vez mais próximos também de rins gerados em laboratório. Rins possuem uma anatomia complexa e vascularização intrincada, mas acredita-se que a escolha de um suporte tridimensional adequado, e das células-tronco certas, pode permitir gerar um rim completo e funcional sem risco de rejeição. Em 2015, um grupo de pesquisadores australianos conseguiu criar um mini-rim contendo cinco tipos diferentes de células – um pouco mais perto dos 30 tipos de células que um rim humano completo possui. Pulmões, coração e dentes também estão na lista de órgãos sendo construídos em laboratório para transplante em humanos.
E as aplicações não são apenas para nossa saúde: podem ser estéticas também. Institutos de pesquisa e empresas de cosméticos têm muito interesse em desenvolver a pele artificial perfeita. O objetivo é produzir um sistema tão semelhante à pele real que não seja mais necessário fazer testes em animais ou expor voluntários humanos a riscos desnecessários. Ano passado, um grupo de pesquisadores no Japão conseguiu criar uma pele artificial contendo pelos e glândulas sudoríparas, deixando a ciência ainda mais perto do fim dos testes de cosméticos em animais.
Células-tronco para descobrir medicamentos melhores, de maneira mais rápida.
Como vimos acima, células-tronco podem ser usadas para gerar tecidos e órgãos em laboratório. Esses órgãos não servem apenas para transplante e testes de cosméticos: eles também podem mudar a forma como testamos e descobrimos medicamentos.
Quando existe mais de uma opção para tratar uma doença, como saber de antemão qual dessas opções é a mais indicada para um paciente específico? Hoje em dia, médicos normalmente descobrem o medicamento certo por tentativa e erro, submetendo o paciente aos riscos de uma terapia ineficaz ou de efeitos colaterais graves. Células-tronco têm ajudado a mudar esse cenário ao permitir a produção de diferentes tecidos em laboratório. É possível obter células-tronco de um indivíduo, induzi-las a se diferenciarem no tecido de interesse, testar uma série de medicamentos e então escolher aquele que vai funcionar melhor naquele indivíduo . No momento, esses testes são conduzidos principalmente por empresas farmacêuticas e institutos de pesquisa, mas no futuro podem se tornar rotina no consultório médico.
Outro uso das células-tronco é para descobrir novas drogas. É possível utilizar essas células para gerar inúmeros mini-órgãos idênticos, e administrar um composto novo e diferente para cada um. Centenas ou mesmo milhares de compostos podem ser testados dessa maneira, até que um novo tratamento seja descoberto. Compostos mais promissores podem ser testados em diferentes mini-órgãos, para identificar não apenas a atividade terapêutica, mas também potenciais efeitos tóxicos em outros tecidos, como o fígado, coração e rins. Dessa maneira, descobriríamos novas drogas mais rápido, e diminuiríamos o risco de descobrir efeitos colaterais graves só depois que o medicamento já foi aprovado e amplamente utilizado por milhares de pessoas.
Células-tronco para criar modelos de doenças neurológicas
Estudar doenças que afetam o cérebro é particularmente complicado. Essas doenças normalmente envolvem muitos genes, diversos fatores ambientais e variam muito de apresentação dependendo do paciente. Além disso, modelos animais costumam ser inadequados para esses transtornos, já que eles afetam habilidades cognitivas e comportamentais tipicamente humanas.
Utilizar células-tronco de pacientes para gerar mini-cérebros com as mesmas características do cérebro daquele paciente oferece uma oportunidade sem precedentes para estudar e tratar patologias complexas como as doenças de Alzheimer, de Parkinson, e autismo. É possível acompanhar todo o desenvolvimento do mini-cérebro em laboratório e assim identificar alterações associadas ao desenvolvimento da doença de interesse, inclusive aquelas que só se manifestam tardiamente, como a doença de Parkinson. É possível também identificar subgrupos de pacientes com base em características celulares e moleculares, e testar tratamentos diferentes em cada um. Como vimos acima, é possível gerar um enorme número de mini-órgãos (no caso, mini-cérebros) idênticos, e usá-los para testar milhares de compostos diferentes, e assim descobrir novos tratamentos para doenças ainda sem cura, ou com poucas opções de tratamento, como doença de Alzheimer e autismo.
Referências :
Takagi et al. Science Advances (2016) 2:4
Peloso et al. Stem Cell Research & Therapy (2015) 6:107
Takasato et al. Nature (2015) 526, 564–568
Avior et al. Nature Reviews Molecular Cell Biology (2016) 17, 170–182