Aplicações terapêuticas com células-tronco ficam mais próximas da realidade com avanços técnicos recentes que podem permitir o uso em larga escala.
Nós estamos sempre de olho em novidades sobre pesquisas com células-tronco, principalmente aquelas que podem levar ao desenvolvimento de aplicações terapêuticas no futuro. Mas entre a ciência por trás dos resultados positivos em estudos pré-clínicos e clínicos e a incorporação de novas terapias pela medicina existem questões operacionais que precisam ser resolvidas. A boa notícia é que já tem bastante gente trabalhando para que isso aconteça, e os avanços técnicos que têm surgido podem fazer toda a diferença na hora de transformar pesquisas nessa área em tratamentos amplamente disponíveis para a população.
Um desses avanços técnicos pode ajudar com um problema básico na produção de terapias celulares: espaço. Para que células-tronco possam ser usadas em larga escala, é preciso que elas sejam cultivadas em grande quantidade e mantenham as suas propriedades. Os métodos tradicionais de cultivo celular, em 2D, ocupam uma área relativamente grande e não são muito eficientes, o que tornaria inviável oferecer esse serviço para todo mundo. Um grupo de pesquisadores da universidade de Stanford, liderados pela professora Sara Heilshorn, publicou na revista Nature Materials o que pode ser a solução para esse problema no caso do cultivo das células-tronco neurais: um jeito de cultivar essas células em 3D, usando um hidrogel que pode ser remodelado de modo que as células mantenham contato físico entre si à medida que se multiplicam. Esse método ocupa apenas 1% do espaço de laboratório ocupado pelos métodos usados atualmente e, além disso, consome menos energia e nutrientes – um ganho econômico considerável quando se pensa na logística necessária para produzir tratamentos. E, como o gel é remodelável e permite que as células se toquem, elas preservam suas propriedades após um grande número de multiplicações – propriedades que estão sendo estudadas para tratamento de lesões na medula espinhal, lesões cerebrais, e doenças degenerativas do sistema nervoso como doença de Parkinson, doença de Alzheimer e doença de Huntington.
A pesquisa na direção do uso de terapias celulares para doenças do sistema nervoso ganhou impulso também com outra novidade: um grupo de pesquisadores italianos utilizou a técnica CRISPR para editar o genoma de células-tronco, silenciando um único gene (CSDE1), e conseguiu que elas se transformassem em neurônios com nada menos do que 100% de eficiência. Nesse estudo, publicado na revista Nature Communications, foram utilizadas como ponto de partida células-tronco embrionárias humanas, células-tronco pluripotentes induzidas e células-tronco de camundongos. Produzir o tipo celular desejado com esse nível de pureza seria ótimo para disponibilizar um maior número de células mais rápido e com menor custo.
Não é sempre, no entanto, que é possível ter 100% de eficiência no tipo de célula diferenciada. Nesses casos, para que o procedimento de transplante celular seja seguro, é necessário selecionar de maneira rápida e eficiente um grande número das células desejadas, separando-as de células indesejadas, como células diferenciadas em outro tipo celular ou não diferenciadas, com potencial de gerar tumores. Não tem problema: cientistas japoneses pensaram nisso e criaram um sistema para separar células-tronco neurais das células-tronco pluripotentes induzidas usando nano-agulhas em que 10.000 agulhas são inseridas em múltiplas células ao mesmo tempo. Nesse trabalho, as agulhas tinham anticorpos capazes de detectar antígenos intracelulares das células-tronco neurais – em particular uma proteína chamada nestina. As células selecionadas por esse sistema eram viáveis e capazes de se diferenciar em células neurais: ou seja, ideais para serem usadas em qualquer aplicação que precisasse desse tipo de célula. Essa ideia, se aperfeiçoada, pode ser usada para a detecção de outros marcadores celulares e permitir avanços técnicos em diferentes áreas de terapias celulares.
Nós achamos que tem muito mais coisa vindo por aí – e no nosso próximo texto sobre avanços técnicos em pesquisas com células-tronco vamos falar um pouco sobre alguns exemplos que podem tornar o transplante celular mais eficiente e factível.
Referências:
Madl CM, LeSavage BL, Dewi RE, Dinh CB, Stowers RS, Khariton M, Lampe KJ, Nguyen D, Chaudhuri O, Enejder A, Heilshorn SC. Maintenance of neural progenitor cell stemness in 3D hydrogels requires matrix remodelling. Nature Materials. 2017.
Lee HJ, Bartsch D, Xiao C, Guerrero S, Ahuja G, Schindler C, Moresco JJ, Yates III JR, Gebauer F, Bazzi H, Dieterich C, Kurian L, Vilchez D. A post-transcriptional program coordinated by CSDE1 prevents intrinsic neural differentiation of human embryonic stem cells. Nature Communications. 2017.
Kawamura R, Miyazaki M, Shimizu K, Matsumoto Y, Silberberg YR, Sathluri RR, Iijima M, Kuroda S, Iwata F, Kobayashi T, Nakamura C. A new cell separation method based on antibody-immobilized nanoneedle arrays for the detection of intracellular markers. Nano Letters. 2017