Novos tratamentos que usem transplante de células-tronco ficam mais próximos da realidade com avanços técnicos recentes que aumentam a sua eficácia.
Você já deve ter ouvido falar de transplante de células-tronco – quando essas células são injetadas diretamente no local de uma lesão. Esse procedimento está em fase de testes para diferentes situações, como a tentativa de regeneração do tecido cardíaco após infarto do miocárdio ou regeneração do tecido muscular após isquemia dos membros inferiores, por exemplo. Só que alguns desafios precisam ser vencidos para que boa parte dessas terapias possa ter sucesso: driblar o nosso sistema imune, e fazer com que as células sobrevivam por mais tempo no lugar necessário.
Como nós já explicamos aqui, o sistema imune é responsável por verificar que células fazem parte do organismo e que células são estranhas a ele, rejeitando as células estranhas que poderiam ser, potencialmente, prejudiciais. O ideal, por isso, seria usar células-tronco do próprio paciente para os tratamentos. Mas nem sempre isso é possível, por uma questão de custo e tempo para desenvolver as células necessárias de maneira personalizada, além do fato de às vezes o paciente não ter células saudáveis para uso.
Muitas das terapias celulares sendo investigadas envolvem, então, o transplante alogênico de células-tronco – ou seja, são usadas células de outras pessoas, que não são reconhecidas como familiares pelo o sistema imune e são eliminadas. Assim, a ação das células transplantadas é limitada pelo baixo índice de retenção delas, o que faz com que a terapia não seja eficaz.
É aí que a bioengenharia pode ajudar. Diversos avanços técnicos nessa área têm levado a soluções para esse problema usando materiais auxiliares para criar sistemas que permitam que as células-tronco injetadas sobrevivam por mais tempo no corpo.
Um desses sistemas envolve o uso de uma cápsula formada por um nanogel que é líquido à temperatura ambiente mas se torna um gel espesso e grudento em temperaturas mais altas, como as encontradas após o implante. Nesse estado, ele tem uma estrutura porosa, com poros grandes o suficiente para que os fatores das células-tronco saiam e possam exercer sua ação regenerativa, mas pequenos o suficiente para que as células imunológicas não consigam entrar e atacar as células-tronco. Outra vantagem desse gel é que ele poderia ser ajustado para se degradar ao longo do tempo, após as células terem exercido a função desejada.
Esse sistema foi testado em camundongos e porcos que tinham o tecido cardíaco danificado por um ataque cardíaco. Sem o nanogel, apenas cerca de 1% das células injetadas permaneceu no coração e, com o material, essa taxa foi de cerca de 15%. Três a quatro semanas após o tratamento, os pesquisadores observaram melhora na função cardíaca. O fato de essa abordagem ter funcionado em um animal de maior porte, como o porco, abre a possibilidade de que haja testes clínicos com seres humanos em um futuro próximo.
Entre os avanços técnicos recentes nessa área, mais um exemplo de solução engenhosa e que obteve bons resultados é o aparato desenvolvido por um grupo de cientistas da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos para o tratamento de diabetes tipo 1, uma doença autoimune em que células do pâncreas produtoras de insulina são destruídas pelo próprio sistema imunológico (saiba mais sobre células-tronco e diabetes aqui). Eles inventaram um revestimento de hidrogel para implantar as células pancreáticas derivadas de células-tronco que é ligado a um fio de polímero que pode ser facilmente removido ou substituído por meio de uma cirurgia laparoscópica. O teste em camundongos deu bastante certo: os níveis de glicose se estabilizaram dois dias depois do tratamento e ficaram normais pelo menos até três meses depois, quando o experimento terminou.
E já existe uma empresa americana trabalhando para que uma ideia parecida possa ser usada para tratar diabetes em seres humanos: a ViaCyte, que desenvolve atualmente dois tipos de implantes com células pancreáticas que estão em fase de testes em ensaios clínicos. O aparato desenvolvido por eles poderia ser implantado subcutaneamente e também facilmente removível se necessário.
Espera-se que, com abordagens como essas, seja possível viabilizar o transplante de células-tronco de maneira mais eficiente para que possam ser desenvolvidos tratamentos acessíveis para a população no futuro.
Referências:
Tang J et al. Heart Repair Using Nanogel-Encapsulated Human Cardiac Stem Cells in Mice and Pigs with Myocarcial Infarction. ACS Nano. 2017.
Tom Fleischman. Removable implant may control type 1 diabetes. Cornell Chronicle. 2018. ViaCyte, Inc.