Células-tronco vêm sendo amplamente utilizadas na área de bioimpressão 3D, tanto em pesquisas básicas quanto em estudos visando sua aplicação. Resultados promissores já foram obtidos por grupos de pesquisa pelo mundo todo na impressão de uma grande variedade de tecidos e mini-órgãos, desde pele até o tecido cardiovascular.
Como vimos no primeiro texto sobre o tema “Bioimpressão 3D”, esta é uma tecnologia recente que envolve a adição camada a camada de materiais biocompatíveis e células, cuja aplicação se mostra promissora na medicina regenerativa e na fabricação de tecidos e órgãos artificiais, bem como para fins não terapêuticos, como é o caso de testes de fármacos e de modelagem de doenças.
Tão importante quanto o próprio processo de impressão é a escolha do biomaterial e do tipo celular a ser empregado. Um biomaterial adequado promove um ambiente com maior viabilidade celular, onde proliferação e diferenciação são favorecidas.
No que diz respeito aos tipos celulares utilizados na bioimpressão, as células-tronco tem se destacado, já que apresentam grande potencial de diferenciação e são capazes de se proliferar e autorrenovar, dando origem a diferentes linhagens celulares. Assim, é possível utilizar células-tronco do próprio paciente para diferenciação em linhagens de células específicas de determinado tecido, o que facilitaria a realização de um enxerto sem gerar uma resposta imune, ou seja, o órgão transplantado não seria rejeitado pelo corpo do paciente. Os tipos de células-tronco comumente usados na bioimpressão incluem as células-tronco embrionárias, as células-tronco mesenquimais e as células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs).
Reunimos neste artigo alguns exemplos de pesquisas recentes que atuam no desenvolvimento de diferentes tecidos pela tecnologia de bioimpressão 3D.
Tecido Cardiovascular
Um grupo de pesquisa da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, imprimiu esferoides de células sem o uso de um biomaterial de suporte. As células utilizadas foram os cardiomiócitos, que são células musculares que compõem o músculo cardíaco, derivados de iPSCs humanas. Os pesquisadores observaram que os esferoides se fundiram entre si, formando um pequeno tecido cardíaco, que apresentou contração espontânea após 3 dias de maturação. Este tecido pode ser utilizado como remendo (do inglês “patch”) em cirurgia de reparo do tecido cardíaco[1] , para tratamento de pacientes que sofreram de infarto do miocárdio, por exemplo.
Pesquisadores da Universidade de Harvard, em parceria com outras universidades, também utilizaram cardiomiócitos derivados de iPSCs para a obtenção de músculo cardíaco (ou miocárdio). No estudo, realizou-se a bioimpressão de um hidrogel contendo células epiteliais. Cardiomiócitos foram então associados ao biomaterial impresso, dando origem a um miocárdio endotelizado. A chamada endotelização é importante para ajudar na formação de vasos sanguíneos, promovendo a vascularização do tecido formado. O método criado para gerar os organoides endotelizados pela técnica de bioimpressão 3D pode ser útil na medicina regenerativa, não só na obtenção de substitutos de miocárdio afetado, mas também para outros tipos de tecidos, estendendo-se para outras aplicações, como análise de toxicidade de fármacos a fim de melhorar a eficácia de tratamentos existentes para doenças cardiovasculares em geral[2] .
Na Universidade de Cornell, também nos Estados Unidos, um grupo de pesquisa teve como foco o estudo de materiais obtidos por bioimpressão 3D para aplicação como válvulas cardíacas. O grupo investigou a influência de diferentes parâmetros de impressão e o uso de diferentes tipos celulares e sua resposta às condições de impressão utilizadas. Células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo foram estudadas por representarem uma fonte viável em potencial para válvulas cardíacas adultas ou pediátricas na engenharia de tecidos[3] .
Tecido Musculoesquelético
Um grupo de pesquisadores chineses da Universidade de Jinan utilizou a tecnologia de bioimpressão 3D para o desenvolvimento de um biomaterial contendo células-tronco de medula óssea para aplicação no reparo do disco intervertebral. No estudo, combinou-se um polímero sintético, que é uma macromolécula artificial produzida em laboratório, com um polímero natural, uma macromolécula existente na natureza, na forma de um hidrogel contendo células. Assim, garantiu-se a biocompatibilidade e o bom desempenho mecânico do biomaterial. Neste caso, o bom desempenho mecânico significa que o material é capaz de suportar forças parecidas com aquelas às quais seria submetido se implantado. Essa tecnologia foi considerada promissora para regular a função celular e tratar tecidos intervertebrais defeituosos[4] .
Outro grupo, em Taiwan, da China Medical University e da Universidade da Ásia, investiu esforços no desenvolvimento de materiais com potencial para aplicação na engenharia de tecidos ósseos, com foco na formação de tecido ósseo vascularizado para o reparo de defeitos críticos (lesões de grande tamanho, que não cicatrizam naturalmente). Para isso, foi estudada a impressão de polímero sintético seguido da bioimpressão 3D de um hidrogel combinado com células endoteliais e células-tronco mesenquimais. O material híbrido contendo estas células mostrou estimular a osteogênese (diferenciação celular em linhagem óssea) e a angiogênese (formação de vasos sanguíneos)[5] . Essa tecnologia tem potencial de ser usada para tratamento de grandes fraturas ósseas.
Tecido Neural
Um estudo desenvolvido na Universidade Nacional de Taiwan pode ser citado como exemplo de reprogramação de célula (iPSC) in situ. Pesquisadores demonstraram que fibroblastos impressos em conjunto com um fator de transcrição apropriado, ambos contidos em um hidrogel, são reprogramados e diferenciados para formação de um tecido parecido com o tecido neural. Esta estratégia é interessante para aplicação no estudo personalizado de fármacos e doenças, além de ser promissora para promover a neurorregeneração em casos de acidente vascular cerebral, doença de Alzheimer, doença de Parkinson e doença de Huntington, por exemplo[6] .
Já na Austrália, pesquisadores das Universidades de Wollongong e de Melbourne obtiveram um mini-tecido neural funcional a partir da bioimpressão 3D de hidrogel constituído de polímeros naturais combinado com células-tronco neurais[7] .
Tecido Hepático
Um grupo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, desenvolveu um modelo de tecido hepático utilizando a tecnologia de bioimpressão 3D. A arquitetura do tecido se assemelha a do tecido nativo e, portanto, representa um ambiente adequado para células hepáticas melhor desempenharem seu papel fisiológico. Assim, tem-se uma plataforma adequada para o estudo de fármacos e modelagem de doenças. Nesse estudo, foram utilizadas células hepáticas derivadas de iPSCs cultivadas simultaneamente com células-tronco derivadas do tecido adiposo e células endoteliais[8] .
Tecido Adiposo
Pesquisadores da China e dos Estados Unidos desenvolveram uma plataforma para obtenção de tecido adiposo pela bioimpressão 3D de um hidrogel contendo células sobre outro tipo de material, denominado criogel (obtido por polimerização a baixas temperaturas). As células utilizadas foram células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo e também células endoteliais. A combinação desses materiais e células deu origem a um dispositivo que tem características similares às do tecido nativo e suporta a vascularização. A aplicação é voltada principalmente para cirurgias de reconstrução, como enxertos para o aumento de volume de tecido[9] .
Pele
Também na China, um grupo de pesquisa estudou a bioimpressão 3D de um hidrogel a base de polímero natural contendo células-tronco epiteliais para a regeneração de glândulas sudoríparas presentes na pele. Estas glândulas desempenham papel essencial na termorregulação do organismo e por isso é importante o estudo de materiais que promovam sua regeneração. Neste trabalho, os pesquisadores obtiveram um biomaterial que pode ser utilizado não só para esta aplicação, mas para a regeneração de diversos outros tecidos, pela reprodução de um microambiente adequado para proliferação celular[10] .
Até o presente momento, a utilização da bioimpressão 3D como terapia ou até mesmo na produção de mini-órgãos ainda não é totalmente viável. Pesquisas ainda precisam ser realizadas de forma a aperfeiçoar a transformação de um modelo digital em estruturas anatômicas que reproduzam a complexidade dos tecidos e órgãos humanos e que possam, portanto, ser utilizadas para transplantes. No entanto, como pudemos ver neste artigo, passos importantes já foram dados com as pesquisas atuais rumo à fabricação de tecidos anatomicamente moldados por meio da bioimpressão para aplicação como modelos para testes de fármacos e de doenças, bem como para o uso no campo da medicina regenerativa.
Referências