Camundongos recebem mini-cérebros humanos feitos a partir de células-tronco

Camundongos recebem mini-cérebros humanos feitos a partir de células-tronco

Implante de mini-cérebros humanos em outros organismos abre novas possibilidades no estudo de células-tronco, de doenças neurológicas e psiquiátricas, e na descoberta de novos fármacos

 

Um híbrido camundongo-humano parece coisa da ilha do Dr. Moreau, mas estes — eticamente gerados — vieram dos laboratórios do Instituto Salk, na Califórnia. Pela primeira vez, cérebros em miniatura feitos a partir de células-tronco humanas foram implantados em outro organismo. Os implantes foram bem sucedidos e os camundongos que receberam os implantes… continuaram camundongos. Pelo menos até o momento, o comportamento, inteligência ou capacidade de aprendizado dos animais não mudou após receber o organóide cerebral humano.

A produção de organóides a partir de células-tronco é uma técnica recente, mas que já tem diversas aplicações — e promete ter muitas mais. Mini-rins capazes de filtrar o sangue e mini-fígados para testar a toxicidade de novos fármacos já são realidade. Mini-cérebros foram muito importantes para entender o mecanismo pelo qual o vírus Zika provoca microcefalia em bebês de gestantes infectadas pelo vírus. Para o futuro, espera-se que mini-cérebros também ajudem a entender melhor e a testar novas terapias para doenças neurodegenerativas e do desenvolvimento, como Alzheimer e autismo. Eles também podem ajudar a elucidar o desenvolvimento do cérebro humano típico, e o papel das células-tronco nesse processo. Produzir esses organóides, no entanto, esbarra em dificuldades.

Para gerar os organóides cerebrais, células-tronco humanas são induzidas a se diferenciar em células nervosas, que por sua vez se organizam nas estruturas e tipos celulares de um cérebro de verdade. Elas têm até atividade elétrica semelhante. No entanto, esse crescimento in vitro é limitado a alguns poucos milímetros; a partir desse ponto, o organóide não consegue mais manter um suprimento sanguíneo adequado para todas as células, e as camadas mais internas começam a morrer por falta de oxigênio e nutrientes.

Os cientistas do Instituto Salk começaram gerando mini-cérebros a partir de células-tronco humanas de acordo com a receita básica. Depois de cultivado in vitro por aproximadamente um mês e meio, cada um deles foi inserido no crânio de um camundongo. A expectativa dos pesquisadores era de que o organismo hospedeiro fizesse de forma natural aquilo que os cientistas não conseguiam: gerar uma rede de vasos sanguíneos para manter o organóide em crescimento. Na maioria dos casos, o implante foi bem sucedido, e os mini-cérebros humanos não apenas sobreviveram como continuaram seu desenvolvimento e diferenciação, gerando novas células e estabelecendo novas conexões por vários meses. Para a surpresa dos pesquisadores, o implante humano estabeleceu conexões sinápticas e se tornou funcionalmente integrado ao cérebro do camundongo.

Os cientistas temiam pelas implicações éticas de um resultado como esse. Que tipo de efeitos essa integração implante-hospedeiro teria na inteligência, consciência ou na própria identidade dos camundongos? Até agora nenhuma alteração foi observada nos animais. Na verdade, os camundongos que receberam o implante tiveram um desempenho espacial um pouco pior que os controles, provavelmente em consequência de sequelas da cirurgia (que retirou um pequeno pedaço do cérebro dos próprios camundongos para prover espaço para o implante). O líder do estudo, Fred Gage, pontuou que os testes de inteligência e aprendizado realizados até agora são muito específicos, e que ainda estamos apenas “arranhando a superfície” em termos de testes comportamentais. Talvez haja mais novidades vindo do Instituto Salk em breve.

Fontes:

❏ Mansour A et al. An in vivo model of functional and vascularized human brain organoids. Nat Biotechnol. 2018 Apr 16 [publicação online, ahead of print]

❏ Begley S. Miniature human brains grow for months when implanted in mice skulls. STAT, 16/04/2018


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