Você experimentaria carne que foi produzida em um laboratório? A carne cultivada em laboratório pode ajudar a suprir a demanda mundial por carne, que cresce a cada ano com o aumento da população. Produtos equivalentes à carne convencional podem ser obtidos através do cultivo de células-tronco musculares, utilizando princípios da engenharia de tecidos. A tecnologia promete reduzir drasticamente o número de animais necessários para a produção de carne, bem como diminuir o uso de recursos e a emissão de gases de efeito estufa decorrente das atividades agropecuárias.
A demanda por carne tende a aumentar com o aumento da população mundial. Estima-se que 9 bilhões de pessoas habitarão o planeta no ano de 2050 e a produção de carne terá que aumentar em até 73% para manter os níveis de consumo per capita dos dias atuais. No entanto, projeções para a produção de carne para este mesmo ano indicam que a quantidade produzida será suficiente para 8 bilhões de pessoas, deixando assim 1 bilhão de pessoas sem acesso a este produto.
Para suprir esta demanda, produtos alternativos à carne convencional vêm sendo desenvolvidos e estão divididos em três categorias principais. A primeira categoria é a dos produtos “substitutos de carne”, que são fabricados a partir de fontes proteicas alternativas, como fungos (micoproteínas) e plantas. A segunda categoria é a da “carne artificial” obtida a partir de animais geneticamente modificados ou então clonados. A terceira categoria, foco deste artigo, é a da “carne cultivada”, também chamada de carne de laboratório ou carne sintética. A carne cultivada é derivada de tecidos e células cultivadas em laboratório ao invés de um organismo vivo e promete reduzir drasticamente o número de animais necessários para a produção de carne, bem como diminuir o impacto ambiental desta atividade.
O impacto da produção de carne no meio ambiente é imenso: as estimativas são de que esta atividade é responsável por até 24% da emissão de gases de efeito estufa por atividades humanas. Um estudo mostrou que, em condições de produção específicas, a carne cultivada em laboratório pode reduzir o uso de terras em até 99% (evitando desmatamentos), o uso de água em 90% e o consumo de energia em 40%, quando comparada à carne produzida de modo convencional. Estas reduções podem levar uma diminuição considerável nas emissões de gases de efeito de estufa.
Ainda, segundo o professor Mark Post da Universidade de Maastrich, na Holanda, líder da equipe que produziu o primeiro hambúrguer com carne de laboratório do mundo em 2013, temos atualmente cerca de 1,5 bilhões de bois no planeta que são abatidos para a produção de carne e, com a carne cultivada, o número de animais necessários para se produzir este alimento poderia ser reduzido a cerca de apenas 30 mil.
Mas como exatamente é feita a carne cultivada? Será que já podemos pensar no consumo de bifes e cortes nobres de carne produzidos em laboratório?
A produção de carne em laboratório envolve a aplicação das práticas de engenharia de tecidos à produção de músculo para consumo como alimento. A engenharia de tecidos tem focado, até o momento, em aplicações médicas como a medicina regenerativa e desenvolvimento de modelos in vitro para o teste de novos medicamentos, a fim de substituir testes em animais. Os princípios técnicos são os mesmos para produzir carne cultivada, mas para a carne a escala é muito maior. O produto deve ser produzido em grandes quantidades e ser acessível como mercadoria. Como a carne cultivada é um alimento e não um produto usado na medicina, os requisitos regulamentares não precisam ser tão rigorosos e o grau de pureza das matérias-primas pode não precisar ser tão alto quanto para aplicações biomédicas.
Para produzir carne em laboratório, os cientistas devem replicar o crescimento de um músculo da mesma forma que ele ocorre no animal. Para isso, devem criar um microambiente propício para que as células cresçam, que seja o mais parecido possível com o organismo do animal vivo. As células mais usadas para a produção de carne são as chamadas células satélite (células-tronco musculares), que podem ser obtidas de diversas espécies, incluindo gado, porco, carneiro, frango e peixe. As células satélite são capazes de se diferenciar em células musculares chamadas mioblastos e se aglomerar formando miotubos, que se desenvolvem originando fibras musculares – um processo que acontece naturalmente para a regeneração muscular in vivo. Outra fonte celular que tem recebido atenção para a produção de carne cultivada são células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). Já falamos aqui no blog sobre o uso destas células para a obtenção de células musculares lisas de porco.
Para melhorar a qualidade da carne produzida, conferindo a ela características desejáveis de cor, textura e sabor, é necessário fazer o cultivo conjunto de células musculares com outras células, como as células adiposas (células de gordura). Além disso, para uma maior semelhança física e sensorial com a carne convencional, vasos sanguíneos e também cartilagem devem ser incorporados à carne sintética. No entanto, para atingir este nível de complexidade, muito trabalho e tempo deverá ser ainda empenhado pelos cientistas nas pesquisas para a produção de carne cultivada. É provável que os primeiros produtos de carne cultivada se encaixarão na linha de carnes processadas, como carne moída, salsicha e hambúrguer. Com o aprofundamento das pesquisas e aprimoramento dos materiais usados como suporte para o crescimento celular, bem como a vascularização das estruturas, produtos semelhantes a bifes e cortes nobres podem começam a surgir e eventualmente chegar ao mercado.
Há atualmente diversas start-ups atuando no desenvolvimento de carne cultivada em laboratório, algumas com colaborações com universidades. A empresa Mosa Meats é uma das líderes no ramo. Trata-se de uma spin-off originada na Universidade de Maastrich, fundada pelo professor Mark Post, que foca na produção de carne bovina. A empresa acredita que conseguirá colocar um produto à base de carne cultivada no mercado até 2021. O professor Post afirma que, a princípio, o custo de um hambúrguer para consumidores em restaurantes e lojas especializadas será de cerca de 10 dólares.
Considerando que produtos como este realmente chegarão ao mercado em um futuro próximo, muitos estudos têm sido realizados para avaliar a percepção das pessoas em relação à carne cultivada. Muitos aspectos éticos, morais e políticos estão atrelados ao consumo deste produto e por isso não se sabe ainda ao certo como será a aceitação por parte dos consumidores de carne. Muitas pessoas consideram a carne de laboratório como uma excelente alternativa à carne convencional, especialmente por ser favorável ao bem-estar animal, reduzindo drasticamente o número de animais abatidos para que o produto seja obtido, e também contribuindo para diminuir o uso de recursos e a emissão de gases de efeito estufa. No entanto, muitas pessoas possuem certa aversão ao produto, principalmente por considera-lo “não natural”. Há um senso comum de que produtos saudáveis devem vir de fontes naturais, o que vai contra o conceito da carne produzida em laboratório. Muitos se preocupam também com questões como o destino dos pecuaristas que vivem da criação de gado para abate, além da perda das tradições gastronômicas da sociedade.
E você, experimentaria uma carne produzida em laboratório? Quais seriam os principais fatores que influenciariam na sua decisão de comer ou não esta carne? Bastaria ela ser agradável ao paladar, ou você consideraria todas as questões morais e éticas envolvidas? Deixe sua opinião nos comentários!
Referências