Cientistas demonstraram que via metabólica das células-tronco do músculo regula a sua diferenciação, e esse mecanismo pode ser usado para reparar o tecido em condições que estão associadas à perda muscular, como distrofias musculares e envelhecimento
As células-tronco do músculo são responsáveis pela formação do tecido durante o desenvolvimento e pela sua homeostase e reparação durante a vida adulta. Normalmente, elas estão no tecido adulto em um estado quiescente, em que não se dividem. Se ocorre uma lesão, essas células são ativadas, se proliferam e se diferenciam em células musculares capazes de reparar o tecido.
Esse processo está associado a alterações metabólicas importantes que regulam a multiplicação e diferenciação das células-tronco. Quando estão em um estado quiescente, as células-tronco do músculo têm uma taxa metabólica baixa que envolve principalmente a oxidação de ácidos graxos. A ativação dessas células, em um primeiro momento, induz a via glicolítica, que fornece energia suficiente para a sua proliferação. Já a diferenciação das células-tronco para formar novas células do músculo exige mais energia e envolve, portanto, a ativação do metabolismo oxidativo nas mitocôndrias (respiração celular).
Algumas patologias podem comprometer essa função das células-tronco do músculo e alterar o balanço entre multiplicação e diferenciação, levando a uma redução na capacidade regenerativa do tecido e à perda muscular. Exemplos de situações em que ocorre perda muscular são a sarcopenia (associada ao envelhecimento), a inatividade (como em situações que exigem imobilização) e as distrofias musculares. Em casos como esses, o mecanismo de regulação do metabolismo das células-tronco do músculo poderia ser alvo de novas abordagens terapêuticas para reparar o tecido.
Há algum tempo já se sabe que uma proteína, a STAT3, é um fator importante para a regulação dessas e de outras células do tecido muscular tanto em condições fisiológicas como em condições patológicas, exercendo diferentes funções. Um dos efeitos da STAT3 é estimular a diferenciação de células-tronco do músculo em células especializadas, mas os mecanismos envolvidos nesse processo são pouco compreendidos.
Recentemente, cientistas do Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute, liderados pela Dra. Alessandra Sacco, publicaram um estudo na revista Nature Communications que ajuda a esclarecer essa sinalização molecular. Eles usaram camundongos como modelo para buscar outras proteínas reguladas pela STAT3, que poderiam servir como alvos mais específicos para medicamentos.
A conclusão dos pesquisadores é que a Fam3a é uma boa candidata. Com o uso de modelos animais e de linhagens celulares que não possuíam a Fam3a, eles demonstraram pela primeira vez que essa proteína é necessária para a diferenciação das células-tronco do músculo, aumentando o metabolismo oxidativo nas mitocôndrias. Eles mostraram também que a Fam3a é secretada por células musculares durante o reparo dos músculos, e que o tratamento com essa proteína promoveu o retorno das atividades de respiração e diferenciação celular em células-tronco que não possuíam a Fam3a.
A estratégia de interferir na regulação metabólica das células-tronco endógenas (que já estão presentes nos diferentes tecidos do organismo) é uma abordagem que tem atraído a atenção de cientistas no campo da medicina regenerativa. Outros estudos já demonstraram que a indução do metabolismo oxidativo nas mitocôndrias é necessária para a diferenciação neuronal, diferenciação cardíaca, e diferenciação de células-tronco mesenquimais em células ósseas ou adiposas. Além disso, o papel da Fam3a nas células-tronco do músculo é semelhante à função que ela exerce em células do fígado, células neuronais e células do músculo liso vascular.
Dessa forma, entender melhor os mecanismos moleculares de atuação da Fam3a e a interação dessa proteína com outras redes de sinalização é importante para descobrir novas formas de promover a regeneração muscular e também a regeneração de outros tecidos do corpo.
Referências:
Sala D et al. The Stat3-Fam3a axis promotes muscle stem cell myogenic lineage progression by inducing mitochondrial respiration. Nature Communications, 2019
Sala D & Sacco A. STAT3 signaling as a potential target to treat muscle-wasting diseases. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care, 2016