Em estudo pré-clínico, células-tronco conseguem matar células do câncer de mama utilizando a rigidez do tecido como pista para atacar as células cancerosas. Essa abordagem poderia ser utilizada no tratamento de diferentes tipos da doença, evitando os efeitos colaterais da quimioterapia.
Sabemos que o câncer é uma das causas mais comuns de morbidade e mortalidade no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 1 em cada 6 mortes são atribuídas ao câncer, e 70% dessas mortes ocorrem em países de baixa ou média renda. No Brasil, a estimativa é de cerca de 600 mil novos casos da enfermidade no biênio 2016-2017.
O estágio em que o câncer sofre metástase é o mais difícil de tratar, sendo responsável por mais de 90% das mortes pela doença. Os tratamentos, atualmente, podem envolver cirurgia, radioterapia e quimioterapia, por exemplo, e são eficientes em alguns casos. Mas, além de nem sempre funcionarem, esses tratamentos podem ter efeitos colaterais indesejáveis – a quimioterapia, apesar de atingir células cancerosas, afeta, também, células sadias.
É aí que entra a pesquisa do professor Weian Zhao e sua equipe, da Universidade da Califórnia, que desenvolveram um tratamento mais localizado: eles programaram células-tronco da medula óssea para reconhecer propriedades mecânicas do tecido canceroso. Para isso, eles adicionaram um código nas células-tronco, de modo que elas pudessem detectar o tecido canceroso, se ligar a ele e ativar a terapia. Esse novo tipo de tratamento atinge apenas o tecido em que ocorreu uma metástase e, desse modo, não há os efeitos colaterais da quimioterapia.
No estudo, os pesquisadores utilizaram essa metodologia para tratar câncer de mama que havia sofrido metástase e atingido os pulmões, em ratos de laboratório. Primeiro, eles transplantaram as células-tronco programadas para que elas encontrassem o local do tumor e, lá, secretassem enzimas chamadas citocinas desaminases. Então, eles administraram nos ratos uma quimioterapia inativa chamada pró-droga 5-fluorocitosina, que era ativada pelas enzimas que estavam sendo secretadas no local exato dos tumores.
Mas como as células-tronco programadas encontraram o local do câncer? O tecido canceroso tem alterações em características bioquímicas e biofísicas do seu microambiente associadas à metástase, como o aumento da deposição de colágeno e de proteínas lisil oxidase (LOX), que estão correlacionadas com a linearização do colágeno e a formação de ligações covalentes colágeno-colágeno no pulmão. Esses fenômenos aumentam a rigidez do tecido. O que os cientistas fizeram foi utilizar células-tronco mesenquimais para criar um sistema celular mecanorresponsivo. A expressão de genes nessas células-tronco pode ser regulada pelas propriedades mecânicas do tecido em que elas se encontram e, por isso, eles conseguiram usar promotores envolvidos nessa regulação genética para ativar a terapia seletivamente de acordo com a rigidez do tecido.
Essa nova abordagem, além de ser mais localizada, evitando efeitos colaterais, pode ser também mais eficiente, pois é mais provável que não encontre tumores resistentes ao tratamento, uma vez que a rigidez do tecido associada à metástase do câncer é uma característica mais constante e universal associada à doença do que outras características bioquímicas que são alvos de terapias hoje. Se funcionar em humanos, essa linha de pesquisa tem tudo para revolucionar o tratamento do câncer e de outros distúrbios associados a alterações mecânicas nos tecidos.
Referências:
Liu L, Zhang SX, Liao W, Farhoodi HP, Wong CW, Chen CC, Ségaliny AI, Chacko JV, Nguyen LP, Lu M, Polovin G, Pone EJ, Downing TL, Lawson DA, Digman MA, Zhao W. Mechanoresponsive stem cells to target cancer metastases through biophysical cues. Science Translational Medicine. 2017.
INCA – Instituto Nacional de Câncer WHO – World Health Organization