Além do transplante de células-tronco hematopoiéticas da medula óssea, células-tronco mesenquimais também poderiam ser utilizadas no tratamento da leucemia?
Uma dúvida frequente que recebemos é sobre os tipos de células-tronco envolvidas no tratamento da leucemia e se as células-tronco mesenquimais poderiam ser usadas para esses casos. Vamos, então, tentar entender melhor essa questão?
Em primeiro lugar, por que são utilizadas células-tronco no tratamento dessa doença? Bom, existem muitos tipos diferentes de leucemia, mas podemos defini-la como um câncer das células que formam as células sanguíneas na medula óssea. Isso leva a um crescimento anormal de glóbulos brancos (ou leucócitos), que são parte do sistema imunológico. O tratamento depende do subtipo e da agressividade da doença mas, em muitos casos, é necessário fazer sessões de quimioterapia e radioterapia que destroem as células cancerosas. Para alguns pacientes, após essas etapas, é indicado o transplante de medula óssea para repovoar a medula com células saudáveis. As células importantes nesse procedimento são as células-tronco hematopoiéticas, que formam as células do sangue. Esse tratamento já está bem estabelecido e é amplamente oferecido para a população.
Existe, no entanto, uma complicação. Hoje, para que o transplante tenha chances de sucesso, é necessário encontrar doadores compatíveis, como em qualquer transplante – mas, mesmo quando esses doadores são encontrados, a compatibilidade dificilmente é 100% e, no caso do transplante de medula óssea, pode ocorrer uma reação conhecida como doença enxerto-contra-hospedeiro. Quando isso acontece, células imunes transplantadas reconhecem o receptor como estranho e começam a atacar as células do corpo da pessoa que recebeu o transplante, danificando órgãos como o fígado, a pele e o trato gastrointestinal, por exemplo. O tratamento convencional, que comumente envolve esteroides, tem efeitos colaterais e nem sempre funciona. Além disso, dependendo da gravidade da reação, ela pode ser fatal.
É aí que as células-tronco mesenquimais podem ajudar. Essas células têm a capacidade de modular a resposta imune e, por isso, têm sido testadas nos últimos anos para prevenir ou tratar a doença enxerto-contra-hospedeiro. Ainda são necessários mais estudos para entender os detalhes a respeito dos mecanismos responsáveis por essa atividade imunomodulatória, mas já foram realizados ensaios clínicos em que resultados positivos foram obtidos, indicando que a terapia pode ser segura e eficaz. Aparentemente, é necessária a presença de uma resposta inflamatória para que a atividade imunomodulatória dessas células seja ativada.
No Canadá e na Nova Zelândia, o uso de células-tronco mesenquimais foi aprovado para tratar crianças com doença enxerto-contra-hospedeiro que não estejam respondendo ao tratamento com esteroides, sob a condição de que novos ensaios clínicos sejam feitos. A terapia aprovada chama-se Prochymal, e foi desenvolvida pela empresa americana Osiris Therapeutics depois de 20 anos de pesquisas. Trata-se de um tratamento alogênico, ou seja, as células-tronco mesenquimais são obtidas de doadores – no caso, adultos saudáveis entre 18 e 30 anos. Elas são multiplicadas em laboratório e é possível conseguir 10.000 doses a partir do material de um único doador. O medicamento é armazenado refrigerado até o momento do uso, quando é administrado por meio intravenoso e sem necessidade de imunossupressão do paciente. A terapia parece ser mais eficaz em crianças e em casos mais severos, e há ensaios clínicos fase III sendo conduzidos no momento.
Assim, uma das etapas do tratamento para a leucemia pode envolver o transplante de células-tronco hematopoiéticas – e, se houver a complicação da doença enxerto-contra-hospedeiro após esse transplante, estuda-se a possibilidade usar células-tronco mesenquimais, o que já é possível em alguns países mas para o que ainda existe a necessidade de mais pesquisas.
Referências:
ABRALE – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia
Qi K et al. Tissue regeneration: the crosstalk between mesenchymal stem cells and immune response. Cellular Immunology. 2017.
Jurado M et al. Adipose tissue-derived mesenchymal stromal cells as part of therapy for chronic graft-versus-host disease: A phase I∕II study. Cytotherapy. 2017.
New York Times – A Stem-Cell-Based Drug Gets Approval in Canada