Analisando células do fígado obtidas a partir de células-tronco humanas, os pesquisadores foram capazes de observar os efeitos de medicamentos sobre o metabolismo de colesterol
Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, um quinto da população brasileira apresenta níveis elevados de colesterol no sangue, a chamada hipercolesterolemia, um dos mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Hábitos como uma dieta rica em gordura animal ou em gordura do tipo “trans” associada a uma vida sedentária favorecem o acúmulo de colesterol no sangue. Ao mesmo tempo, a predisposição genética é um fator de grande importância para a hipercolesterolemia, existindo inclusive algumas doenças já bem caracterizadas, como a hipercolesterolemia familial, cujos genes responsáveis já foram identificados.
Embora já existam medicamentos disponíveis no mercado para tratar estes pacientes, como a estatina e o alirocumab, nem todos os indivíduos respondem de forma adequada a estes tratamentos. Ao mesmo tempo, os modelos experimentais disponíveis até então não eram eficientes para investigar os efeitos de medicamentos sobre o metabolismo do colesterol: em geral, os pesquisadores se utilizam de células do fígado humanas retiradas de biópsias – que são difíceis de se obter e cultivar em laboratório – e os modelos animais não refletem de forma adequada o metabolismo do colesterol dos humanos.
Em face desses problemas, cientistas da Universidade de Hong Kong desenvolveram um novo modelo experimental, valendo-se de células-tronco pluripotentes induzidas obtidas a partir de células da urina de pacientes com hipercolesterolemia familiar. As células-tronco foram então diferenciadas em células hepáticas, as células onde ocorre a maior parte da metabolização do colesterol.
A maioria dos pacientes com hipercolesterolemia familiar possui mutações nos genes LDLR ou PCSK9 . As mutações no gene LDLR , que codifica o receptor do colesterol LDL, fazem com que este receptor perca sua função de remover o colesterol LDL da circulação. Já a proteína codificada pelo gene PCSK9 tem a função de degradar o receptor do LDL, e as mutações nesse gene fazem com que a proteína tenha sua função aumentada, degradando mais esses receptores. Ou seja, em ambos os casos, o que se tem é uma diminuição substancial dos níveis do receptor de LDL, prejudicando a remoção do colesterol da circulação.
Os cientistas colocaram então colesterol LDL no meio de cultivo dessas células e observaram se estas eram capazes de capturar e internalizar o colesterol. Como esperado, as células dos pacientes com hipercolesterolemia capturaram pouco do colesterol presente no meio de cultivo, enquanto as células de indivíduos controles foram bastante eficientes nesse sentido. Os pesquisadores então testaram nesse sistema in vitro se as duas drogas citadas anteriormente, a estatina e o alirocumab, teriam o mesmo efeito que apresentam nos pacientes.
A estatina promove o aumento do receptor de colesterol LDL, enquanto o alirocumab é um anticorpo que se liga a proteína PCSK9, provocando sua inativação. De fato, quando tratadas com estes medicamentos, as células dos pacientes apresentaram um aumento na capacidade de captura do colesterol LDL. O efeito foi melhor com alirocumab, e as duas drogas usadas em combinação não tiveram um efeito melhor do que seu uso individual.
Para investigar se estas respostas também seriam as mesmas em um nível sistêmico, os pesquisadores implantaram os hepatócitos dos pacientes e de controles no fígado de camundongos que também não tinham o gene LDLR funcional (a presença de um LDLR funcional no fígado dos camundongos poderia
interferir nos resultados). Os camundongos foram então alimentados com uma dieta rica em colesterol e um grupo recebeu tratamento com alirocumab, outro com estatina e um terceiro grupo não recebeu nenhum tratamento. Eles observaram resultados semelhantes aos obtidos in vitro : os grupos que receberam o tratamento com alicrocumab ou estatina apresentaram menores níveis de colesterol LDL no plasma (ou seja, mostrando que as células do fígado tiveram uma capacidade melhor de capturar o colesterol), comparados com o grupo que não recebeu nenhuma droga, e o tratamento com alirocumab foi mais eficaz que com estatina.
O mais interessante é que os níveis de redução de colesterol LDL no plasma dos camundongos após o tratamento com as duas drogas foram semelhantes àqueles observados em pacientes tratados com estes medicamentos. Estes resultados demonstram que tanto o modelo in vitro quanto o modelo em camundongos desenvolvido por estes pesquisadores refletem de forma adequada o que acontece nos pacientes submetidos a tratamentos com drogas visando a correção da hipercolesterolemia e, assim, podem servir como plataforma para teste de novos fármacos e até mesmo para que se possa testar a eficácia de um determinado tratamento para um paciente em particular.
O estudo completo pode ser conferido no link: