Nova terapia com células-tronco para esclerose múltipla traz resultados espetaculares – e muitas dúvidas.
Uma nova – e agressiva – terapia com células-tronco conquistou a imprensa internacional nas últimas semanas. O tratamento, que vem sendo chamado de “descoberta extraordinária” e “divisor de águas”, mostrou resultados impressionantes contra a esclerose múltipla, uma doença grave, progressiva e ainda sem cura. O prestigiado canal britânico BBC mostrou que pelo menos um paciente, previamente incapacitado pela doença, mostrou recuperação quase total. Parece bom demais para ser verdade? Pode ser que seja mesmo.
Os resultados em questão vêm do ensaio clínico MIST, que envolve instituições dos Estados Unidos, Suécia, Reino Unido e Brasil. O estudo comparou o uso de células-tronco hematopoiéticas autólogas (ou seja, dos próprios pacientes) versus medicamentos tradicionais em 110 pacientes. Os resultados parecem impressionantes: no primeiro ano, apenas 1 paciente tratado com células-tronco teve recaída da doença, comparado a 39 pacientes tomando a medicação padrão. Em três anos, apenas 6% dos pacientes tratados com células-tronco viram a doença piorar, versus 60% do grupo recebendo medicação.
Os resultados do MIST são animadores, mas ainda preliminares. Eles levantam uma série de questões para as quais ainda não temos respostas: esses efeitos são temporários ou permanentes? Que tipo de efeitos adversos podem aparecer com o tempo? Para complicar, houve quatro mortes reportadas no estudo. Para complicar ainda mais, o FDA (agência regulatória de saúde americana) notificou oficialmente os líderes do estudo pelo atraso em reportar duas dessas quatro mortes. Embora tenha sido determinado que as mortes provavelmente não foram causadas pela terapia celular, o tratamento em si é extremamente agressivo, e pode causar infecções graves e piora no quadro de doenças preexistentes.
O aspecto mais preocupante, no entanto, é a maneira como a liderança do estudo, a Universidade Northwestern, dos EUA, têm lidado com o recrutamento de pacientes e divulgação dos resultados. Por um lado, eles estão claramente na vanguarda científica da terapia celular para transtornos autoimunes. Por outro, a ética do grupo tem sido questionada em diversas frentes. Os pesquisadores já foram acusados de exagerar os potenciais benefícios da terapia, tanto para pacientes como para a imprensa. Também chama a atenção o fato de o ensaio clínico ser pago – os participantes podem desembolsar mais de 100 mil dólares para utilizar a terapia experimental – uma prática que não é ilegal, mas também não é comum. Critica-se também a decisão de divulgar resultados preliminares que não passaram pela revisão por pares (processo utilizado em periódicos científicos em que os resultados só são publicados após serem revisados por especialistas da área). Um especialista da área provavelmente apontaria o fato de que o grupo comparou a terapia celular a um tratamento medicamentoso sub-ótimo: em vez de administrar os medicamentos mais modernos e eficazes, o estudo utilizou um tratamento farmacológico que muitos consideram ultrapassado.
Combinado a outros resultados já obtidos para terapia celular (veja aqui e aqui), fica claro que terapias com células-tronco têm grande potencial para se tornarem a primeira linha de tratamento – e, possivelmente, cura – da esclerose múltipla. O problema é que ainda não chegamos lá. E os pacientes precisam ser informados disso.
Fontes:
❏ Walsh F. Stem cell transplant ‘game changer’ for MS patients. BBC, 18/03/18
❏ Upham B. Early Results of International Stem Cell Trial for RRMS Show Reduced Relapses, Less Disability. Everyday Health, 23/03/18
❏ Del Bello L. That “Game Changer” Treatment for MS Is Too Good To Be True — Really. Futurism, 19/03/18
❏ Knopfler Lab. FDA warns Northwestern’s Richard Burt on reporting patient deaths, other issues in stem cell trials. The Niche, 29/03/17