No terceiro post da série sobre regulamentação do uso de células-tronco para pesquisa e tratamento, vamos falar sobre o cenário regulatório na Ásia
Falar sobre o cenário regulatório no uso de células-tronco na Ásia é uma tarefa difícil: o continente abriga uma diversidade de modelos e situações que são discutidos internacionalmente e, muitas vezes, são motivo de polêmicas. Além disso, nesse continente estão alguns dos destinos mais procurados para o chamado turismo médico, onde terapias experimentais ou sem fundamentação científica são comercializadas com pouca ou nenhuma fiscalização.
Mas vamos nos ater, aqui, ao que está de acordo com a regulamentação de cada país. Nesse aspecto, a Coréia do Sul é um dos países mais polêmicos e que mais recebe críticas de pesquisadores internacionais. Se, por um lado, o país está entre os dez primeiros considerando quantidade e qualidade de publicações científicas em pesquisas com células-tronco e tem o maior número de produtos com células-tronco aprovados, por outro lado, na avaliação de muitos especialistas, não há base científica suficiente para a aprovação e comercialização desses produtos. Muitas vezes, eles foram aprovados sem que houvesse artigos publicados em revistas com processos rigorosos de revisão por pares, tendo como informação disponível apenas press releases e apresentações da agência regulatória sul coreana. Outros profissionais defendem o sistema regulatório sul coreano e argumentam que, considerando-se todos os desafios envolvidos no desenvolvimento dessa área, existe uma avaliação de riscos e benefícios feita caso a caso e dados de segurança da terapia são monitorados após aprovação.
O primeiro produto com células-tronco aprovado no mundo foi aprovado na Coréia do Sul em julho de 2011: é o Hearticellgram-AMI, desenvolvido pela empresa Pharmicell e usado para tratar ataques cardíacos. É um tratamento autólogo, ou seja, usa as células do próprio paciente: células-tronco da medula óssea são multiplicadas em meio de cultura e injetadas na artéria coronária. Hoje, de acordo com dados da Alliance for Regenerative Medicine, dos 12 produtos de terapias celulares disponíveis para comercialização no mundo, 6 estão na Coréia do Sul. Além do Hearticellgram-AMI ou Cellgram-AMI, outros produtos que usam células-tronco são: Cartistem (da Medipost), que usa células-tronco mesenquimais do cordão umbilical para tratar defeitos na cartilagem do joelho; Cupistem (da Anterogen), que usa células-tronco mesenquimais do tecido adiposo para tratar fístulas da doença de Crohn; e Neuronata-r (da Corestem), que usa células-tronco da medula óssea para tratar esclerose lateral amiotrófica.
Em outro extremo do posicionamento regulatório atual na Ásia está a Índia. Embora em 2017 o produto Stempeucel, que usa células-tronco mesenquimais para tratar isquemia crítica dos membros, tenha obtido aprovação condicional no país, nesse mesmo ano foi aprovada uma regulamentação considerada por muitos excessivamente rígida em alguns aspectos: ela chega a proibir, inclusive, a existência de bancos de células-tronco. No entanto, na Índia, muitos bancos de células-tronco ofereciam também tratamentos não aprovados. Por isso, essa regulamentação pode ser uma maneira de diminuir os riscos relacionados com a comercialização de terapias não aprovadas. Profissionais que se opõem a essa nova regra argumentam que as células armazenadas poderiam ser úteis no futuro, dado o desenvolvimento crescente das pesquisas na área.
Outro país que enfrenta dificuldades causadas, ao menos em parte, pela comercialização de tratamentos com células-tronco não aprovados é a China. Embora seja o segundo país em rankings de publicações científicas sobre pesquisas com células-tronco (atrás apenas dos Estados Unidos), não tem, ainda, nenhum produto aprovado para comercialização. A tentativa de conter a comercialização de terapias não aprovadas fez o país transitar, nos últimos anos, entre modelos de regulamentação centralizada e não-centralizada e, mais recentemente, adotar um sistema considerado rígido para a aprovação de novos tratamentos. Persistem, no entanto, dúvidas de que a China consiga implementar essa regulamentação de maneira eficaz e conter a comercialização de terapias não aprovadas.
Mas o país asiático mais discutido no ocidente pelo seu modelo regulatório para terapias celulares é, provavelmente, o Japão. A regulamentação japonesa é muitas vezes citada como radical, por prever a aprovação de terapias celulares para comercialização sem que elas tenham passado por ensaios clínicos fase III. Esses tratamentos são, porém, monitorados de forma rigorosa por até sete anos e, após esse período, podem ou não receber a aprovação definitiva. Apesar de muito discutido, esse sistema segue tendências que são encontradas em outras jurisdições, como a americana por exemplo, que tem um processo de aprovação acelerada previsto em sua regulamentação. As principais diferenças do modelo japonês são o fato de haver uma regulamentação específica para terapias celulares com tempo determinado para que elas sejam monitoradas após aprovação para comercialização e, o que é motivo de críticas para alguns, o fato de a regulamentação japonesa não deixar claro em que condições esse caminho mais rápido de aprovação se aplicaria (como a gravidade da doença a ser tratada, por exemplo). Mesmo nesse contexto, o único tratamento com células-tronco já aprovado no Japão, em 2015, é o TEMCELL – o mesmo Prochymal de que já falamos nesse texto, mas com um nome diferente. Lá, o produto é indicado para o tratamento de lesões agudas por radiação, doença obstrutiva pulmonar, doença de Crohn, doença enxerto-contra-hospedeiro, diabetes tipo I e infarto do miocárdio.
Referências:
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