O conceito de sustentabilidade já está presente em diversas áreas e ultimamente tem sido muito aplicado também no desenvolvimento de materiais para uso na medicina regenerativa. Os pesquisadores vêm se empenhando para desenvolver biomateriais adequados para o crescimento de células-tronco que sejam obtidos a partir de matérias-primas consideradas “verdes”, dentre elas compostos extraídos de plantas e animais. O reaproveitamento de resíduos agrícolas e industriais também tem sido promovido como uma maneira diminuir a poluição ambiental e evitar o esgotamento de fontes não renováveis.
Há uma crescente preocupação da sociedade com o desenvolvimento e uso de tecnologias sustentáveis em todos os setores da economia e da cadeia produtiva. Com isso, a tendência é de se buscar matérias-primas e processos com o menor impacto ambiental possível. As tecnologias ambientalmente seguras, ou “verdes”, já revolucionaram muitas áreas, como é o caso do setor automobilístico – carros elétricos são cada vez mais comuns nas ruas das cidades – e verifica-se uma tendência cada vez maior de incluir os conceitos de sustentabilidade também nos processos de fabricação de materiais para a área biomédica.
Nas pesquisas voltadas para a medicina regenerativa, a comunidade científica tem focado muito no uso de matérias-primas “verdes” para a obtenção de biomateriais usados na engenharia de tecidos, por exemplo. O principal objetivo da utilização de tecnologias “verdes” é diminuir os efeitos adversos da poluição no meio ambiente e também no corpo humano. Neste sentido, os cientistas buscam utilizar compostos não tóxicos e provenientes de fontes naturais renováveis para a fabricação de biomateriais. Sendo assim, três abordagens principais para a
obtenção de matérias-primas são usadas, sendo elas: (1) uso de novas técnicas de fermentação e bioengenharia para a produção de biopolímeros; (2) aplicação de compostos naturais extraídos de plantas ou esqueletos de animais; (3) uso de resíduos agrícolas ou industriais, que incluem os materiais de fonte vegetal ou animal do item anterior. Os pesquisadores trabalham para que os materiais derivados destas fontes possam competir com os convencionais, apoiando assim o desenvolvimento sustentável.
As principais matérias-primas “verdes” utilizadas na produção de biomateriais incluem proteínas e polissacarídeos (carboidratos formados por várias unidades de açúcares). Um polissacarídeo amplamente pesquisado para este fim é a quitosana. A quitosana é obtida a partir de um polímero natural chamado quitina, encontrado principalmente na carapaça de crustáceos como o camarão, o caranguejo e a lagosta. A carapaça destes animais é um resíduo abundante da indústria de processamento de pescados e seu reaproveitamento para a produção de produtos de valor agregado, como os biomateriais para a engenharia de tecidos, é extremamente relevante como alternativa à sua disposição final no meio ambiente.
Outros polissacarídeos como a pectina, proveniente de cascas de frutas; o alginato, extraído de algas marinhas; e a xantana, produzida por bactérias; bem como proteínas de origem animal, como o colágeno e a fibroína da seda (obtida do casulo do bicho da seda), são muito estudados para a obtenção de materiais cuja aplicação é voltada para a engenharia de tecidos.
Alguns exemplos recentes do uso destes materiais em combinação com células-tronco foram selecionados e representam trabalhos interessantes e promissores da área:
(i) No trabalho de um grupo brasileiro em colaboração com uma universidade americana, os polissacarídeos quitosana e pectina foram combinados para a obtenção de filmes com capacidade de promover a adesão e a proliferação de células-tronco humanas. Os materiais foram testados e mostraram propriedades muito interessantes para aplicação na engenharia de tecidos. Dentre elas, foi destacada a boa propriedade mecânica, que se iguala à da pele e, portanto, representa um atrativo para a aplicação destes materiais no tratamento de lesões de pele.
(ii) Um grupo chinês produziu um material injetável constituído de quitosana contendo células-tronco. Na temperatura ambiente, o material é líquido e, portanto, é possível se incorporar as células; já na temperatura corporal, o material se torna um gel e, assim, se assegura que as células permaneçam no local desejável dentro do corpo. No estudo, o gel contendo células-tronco mesenquimais foi usado para tratar o tecido cardíaco de ratos que haviam sofrido de infarto do miocárdio. Os cientistas observaram que o gel de quitosana foi capaz de promover a diferenciação das células em cardiomiócitos e melhorar a função cardíaca na área afetada. Assim, o material desenvolvido foi considerado promissor para o tratamento deste tecido.
(iii) Também na China, pesquisadores combinaram polissacarídeos e proteína para obter uma biotinta para utilização na biofabricação de materiais contendo células-tronco. A biotinta é um gel composto de gelatina, alginato e uma quitosana quimicamente modificada, no qual foram incorporadas células-tronco mesenquimais. As células se mostraram viáveis após a impressão 3D e o material produzido foi considerado atrativo para aplicação na biofabricação de dispositivos voltados para a engenharia de tecidos e órgãos.
(iv) Pesquisadores de Taiwan desenvolveram um material altamente poroso à base de colágeno e estudaram o comportamento de células-tronco em sua superfície. Para obter a estrutura porosa, foram utilizadas microesferas de alginato durante sua fabricação, que foram removidas ao final do processo. Esta forma de processamento facilitou a obtenção de poros de tamanhos desejáveis e que fossem mais adequados à proliferação celular. Os estudos realizados indicaram que as células-tronco foram capazes de aderir e proliferar muito bem no material desenvolvido.
(v) Um grupo de chineses utilizou a proteína fibroína da seda em conjunto com a quitosana para obter materiais para aplicação na engenharia de tecidos. O material desenvolvido possui estrutura e propriedades adequadas para este fim, sendo que células-tronco mesenquimais da medula óssea cultivadas sobre ele exibiram excelente adesão e proliferação, além de ser capazes de se diferenciar em linhagens ósseas ou de tecido adiposo. A combinação destes polímeros ofereceu materiais com baixa resposta inflamatória e com propriedades físicas e mecânicas facilmente ajustáveis a determinada aplicação, sendo, portanto, considerados candidatos atrativos para o uso na medicina regenerativa.
Os trabalhos citados refletem o crescente uso de matérias-primas “verdes” na produção de biomateriais para a engenharia de tecidos, que acompanha a tendência mundial de promover o desenvolvimento tecnológico aliado à sustentabilidade, utilizando de forma consciente os recursos naturais e, ao mesmo tempo, tornando estas tecnologias mais acessíveis para toda a sociedade.
Referências: