Uma única injeção de células-tronco reduziu o consumo diário e eliminou a “recaída” em um modelo animal de dependência
Ainda não existe nenhum tratamento eficaz contra a dependência do álcool. Novas terapias são necessárias, porém difíceis de desenvolver, em parte porque sabemos muito pouco sobre as causas do alcoolismo. Uma série de alterações cerebrais, incluindo neuroinflamação, já foi associada à dependência do álcool, mas nem sempre é claro o papel dessas alterações; elas podem ser, por exemplo, apenas consequência do consumo excessivo. Um estudo chileno publicado no mês passado, no entanto, sugere que neuroinflamação é um aspecto central da dependência e aponta para um novo tratamento: células-tronco mesenquimais. Em ratos que bebem demais, essas células tiveram efeito antiinflamatório e reduziram o consumo de álcool em 90%.
Ratos não são normalmente atraídos por uma cervejinha ou uma taça de vinho, mas certas linhagens foram selecionadas em laboratório justamente para gostar de álcool. Assim como acontece com (uma parte dos) humanos, se houver uma bebida alcoólica disponível, esses ratos bebem uma certa quantidade todos os dias. E se forem impedidos de beber por um período, no dia em que álcool fica disponível de novo eles bebem muito mais do que de costume (a “recaída”). O grupo de cientistas do Chile usou esses ratos para testar o efeito das células-tronco mesenquimais, potentes agentes antiinflamatórios que tendem a migrar para o cérebro, tanto no consumo diário como na recaída.
O efeito foi marcante. Uma única injeção de células-tronco mesenquimais reduziu em 90% o consumo diário de álcool e em 80% o consumo na “recaída”. Os efeitos começaram 24h após a administração, e se mantiveram por pelo menos três semanas. Já se sabia que células-tronco poderiam exercer esse tipo de efeito, mas apenas quando injetadas diretamente no cérebro; quando injetadas na circulação sanguínea, elas são restritas pelo seu volume grande, e acabam ficando presas nos pulmões. Nesse estudo, o grupo chileno cultivou as células de um jeito diferente: em vez de mantê-las em placas 2D, elas foram cultivadas em esferóides tridimensionais. Isso reduziu o volume das células em 90%, possibilitando que elas atingissem todos os tecidos do corpo, incluindo o cérebro.
Novas opções de tratamento para dependência são urgentes. Os dois medicamentos mais eficazes contra o alcoolismo, acamprosato e naltrexona, funcionam em apenas 15% a 20% dos pacientes. Além disso, neuroinflamação também foi implicada em outras doenças, como depressão e transtorno bipolar, e estudos em animais sugerem que células-tronco mesenquimais também podem ser úteis contra essas patologias. Em comum, todas essas doenças têm o fato de serem pouco compreendidas e disporem de limitadas opções de tratamento. Se esses resultados forem replicados em humanos, avançamos na compreensão dos mecanismos envolvidos na causa desses transtornos, e ganhamos um arsenal totalmente novo para tratá-los.
Fontes:
❏ Ezquer F et al. Intravenous administration of anti-inflammatory mesenchymal stem cell spheroids reduces chronic alcohol intake and abolishes binge-drinking. Scientific Reports 8: 4325 (2018)
❏ Colpo G et al. Immune-based strategies for mood disorders: facts and challenges. Expert Rev Neurother. 2018 Feb;18(2):139-152