Transplante de células-tronco sem rejeição pelo sistema imune: será possível?

Transplante de células-tronco sem rejeição pelo sistema imune: será possível?

O transplante de células-tronco é uma das aplicações terapêuticas mais estudadas dessas células, mas essa abordagem tem uma barreira importante a vencer: a rejeição pelo sistema imune. Resultados recentes indicam que a edição genética pode ser uma alternativa economicamente interessante para viabilizar novos tratamentos, criando células que são doadoras universais.

Muitos cientistas e empresas estão investindo na ideia de oferecer produtos de células-tronco prontos para ser usados de forma imediata quando for necessário. Esses tratamentos seriam alogênicos, ou seja, feitos a partir de células de um doador. O principal problema com essa abordagem é que o sistema imune reconhece células que não são do próprio organismo e as ataca. Mesmo as células-tronco mesenquimais, que têm propriedades imunomoduladoras e foram consideradas imunoprivilegiadas em estudos in vitro,sofrem rejeição pelo sistema imune no caso de transplante alogênico.

Na verdade, esse pode ser um obstáculo até para certos usos autólogos de células-tronco, em que são usadas células do próprio paciente, como no transplante de alguns tipos de tecidos derivados de células-tronco pluripotentes induzidas que pode envolver rejeição pelo sistema imune.

Por outro lado, já se sabe há algum tempo que o sistema imune nem sempre reconhece células estranhas ao organismo: é o que acontece durante a gestação, quando o sistema imune materno tolera antígenos paternos alogênicos. O segredo dessas células é que elas têm uma baixa expressão de MHC classe I e MHC classe II e uma alta expressão de CD47.

As proteínas MHC ficam na superfície das células e apresentam sinais moleculares que possibilitam ao sistema imunológico reconhecer quando elas não são do próprio organismo. Desativar os genes que determinam a produção dessas proteínas é uma estratégia para tornar as células “invisíveis” ao sistema imune. Mas não é suficiente. Sem MHC, as células são atacadas por um tipo específico de célula do sistema imune chamada Natural Killer (NK). Esse ataque não acontece se as células tiverem uma alta quantidade da proteína CD47 em sua superfície.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia conseguiram criar células-tronco pluripotentes induzidas com essas características, editando apenas três genes. Eles usaram a ferramenta de edição genética CRISPR para deletar dois genes essenciais para o funcionamento das proteínas MHC classe I e MHC classe II, e adicionaram um gene para ativar a produção de CD47.

Quando células-tronco pluripotentes induzidas de camundongo editadas dessa forma foram transplantadas para animais que não eram imunologicamente compatíveis com o doador, não foi observada rejeição. Além disso, também foram transplantadas células-tronco pluripotentes induzidas humanas em animais com um sistema imune que mimetizava o humano e, novamente, não foi observada rejeição.

Essa técnica pode ser usada para fabricar tratamentos alogênicos universais, pois as células de um doador poderiam ser usadas por qualquer pessoa.

Embora essa metodologia específica seja inédita, a ideia de produzir células-tronco pluripotentes que sejam doadoras universais não é nova. A empresa Universal Cells Inc. foi fundada em 2012 a partir de estudos usando um vetor viral para editar o genoma das células e evitar que elas sofram rejeição pelo sistema imune. Em 2018, ela foi adquirida pela Astellas Pharma Inc., que passa a poder usar a tecnologia para produzir novas terapias em medicina regenerativa.

 


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