Cientistas conseguem reverter as consequências fisiológicas do envelhecimento em camundongos

Cientistas conseguem reverter as consequências fisiológicas do envelhecimento em camundongos

Com base em uma técnica desenvolvida há 10 anos, a qual permite a geração de células-tronco a partir de uma célula qualuer do organismo adulto, pesquisadores foram capazes de diminuir a perda de massa muscular e melhorar a capacidade regenerativa do pâncreas de camundongos saudáveis, bem como de prolongar a vida de camundongos portadores de uma doença causadora de envelhecimento precoce.

Não seria incrível se pudéssemos tomar uma pílula todo dia de manhã que nos previnisse das rugas, dos cabelos brancos e de outros sinais do envelhecimento? Para além da aparência, é importante lembrar também que o envelhecimento é sem dúvida um dos principais fatores de risco para muitas doenças e, portanto, a tal pílula poderia também nos previnir desses males.

Pois cientistas do Instituto Salk, na Califórnia, liderados pelo Professor Juan Carlos Izpisua Belmonte, publicaram um artigo na prestigiada revista Cell mostrando ser possível reverter alguns aspectos fisiológicos ligados ao envelhecimento e inclusive prolongar a vida de animais que possuem uma doença que causa envelhecimento precoce.

A ideia do trabalho partiu de uma técnica desenvolvida há 10 anos atrás, chamada reprogramação celular, que revolucionou os estudos na área de saúde. Em 2006, pesquisadores japoneses descobriram que, ao re-induzir o funcionamento de um conjunto específico de genes que estão desligados em células diferenciadas*, era possível fazer estas mesmas células “voltarem no tempo”, transformando-as em células-tronco semelhantes às células embrionárias. Estes genes são fundamentais para que as células-tronco permaneçam como células-tronco, e são “desligados” conforme estas células se diferenciam em tipos mais especializados, como as células da pele, do fígado ou os neurônios.

Baseado então na técnica de reprogramação celular, o grupo de Belmonte decidiu testar o que aconteceria se o funcionamento destes mesmos genes fosse induzido agora em células de um animal vivo e não em células em cultura em um laboratório.

Ao realizar este tratamento em camundongos de idade avançada, os cientistas observaram uma melhor capacidade regenerativa do pâncreas e da musculatura dos animais. O diabetes derivado de uma perda da capacidade do pâncreas em regenerar células produtoras de insulina, bem como a perda de massa muscular por uma incapacidade do organismo de produzir novas células são dois mecanismos claramente associados ao envelhecimento.

Mas o mais interessante foi o resultado obtido com animais portadores de uma doença causadora de envelhecimento precoce, a progeria: os camundongos com progeria submetidos ao tratamento viveram por um tempo aproximadamente 30% superior aos animais não tratados, bem como apresentaram melhores aspectos fisiológicos do sistema cardiovascular, pele, baço e rins.

Na verdade, o grupo de Belmonte não foi o primeiro a realizar este tipo de estudo baseado na técnica de reprogramação celular, mas um dos diferenciais de seu trabalho foi a maneira como isso foi feito: como é sabido que a indução do funcionamento destes genes pode causar câncer, o grupo fez isso de forma intermitente, ativando os genes apenas duas vezes por semana, por várias semanas sucessivas, ao invés de induzir seu funcionamento permanentemente. De fato, os animais submetidos ao tratamento não desenvolveram câncer.

Apesar dos resultados animadores, o estudo está longe de significar a criação da pílula da juventude. Primeiro porque o risco desse tratamento levar a formação de câncer deve ser extensivamente investigada ainda. Segundo, porque os animais utilizados na pesquisa eram animais transgênicos, portadores de uma manipulação genética que inseriu em seu genoma um sistema que possibilitava realizar este “liga-desliga” dos genes de interesse. Para esta abordagem poder ser empregada em humanos, seria necessário encontrar drogas que pudessem induzir o funcionamento destes genes sem a necessidade desta manipulação genética. Mas sem dúvida podemos dizer que o trabalho contribuiu para um melhor entendimento dos processos ligados ao envelhecimento e de que forma podem ser manipulados, abrindo perspectivas de como controlar estes mecanismos.

*células diferenciadas: todas as células com funções especializadas do organismo e que, ao contrário das células-tronco, não tem capacidade de se transformar em outros tipos celulares.

Ocampo A, Reddy P, Martinez-Redondo P, Platero-Luengo A, Hatanaka F, Hishida T, Li M, Lam D, Kurita M, Beyret E, Araoka T, Vazquez-Ferrer E, Donoso D, Roman JL, Xu J, Rodriguez Esteban C, Nuñez G, Nuñez Delicado E, Campistol JM, Guillen I, Guillen P, Izpisua Belmonte JC. In Vivo Amelioration of Age-Associated Hallmarks by Partial Reprogramming. Cell. 2016; 167(7):1719-1733.e12.

Assista ao vídeo (em inglês) onde os cientistas desenvolvedores do trabalho explicam seus resultados: https://www.youtube.com/watch?v=qFZPmy6tvWw


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