Visando entender e tratar neuropatias decorrentes de tratamentos contra o câncer, cientistas testam efeitos de quimioterápicos sobre neurônios diferenciados a partir de células-tronco.
Um dos efeitos adversos mais comuns resultantes do uso de quimioterápicos é a neuropatia periférica, que atinge cerca de 20 a 40% dos pacientes em tratamento de um câncer. A apresentação clínica de uma neuropatia periférica é variável, sendo que o paciente pode apresentar dores, hiperalgesia (sensibilidade aumentada a estímulos dolorosos), entorpecimento, perda da sensação proprioceptiva ou formigamentos. Além disso, a condição pode ser passageira ou pode perdurar mesmo depois de finalizado o tratamento. Assim, com o aumento da taxa de sobrevivência de pacientes com câncer, este tipo de efeito colateral persistente passou a ser uma preocupação e um importante fator a ser estudado na tentativa de se entender e evitar tais efeitos.
Este foi o objetivo do trabalho da equipe liderada pela Dra. Eileen Dolan, da Universidade de Chicago, que, usando neurônios derivados de células-tronco pluripotentes induzidas, estudou os efeitos de diversos quimioterápicos conhecidos por causarem neuropatia periférica. Cultivando os neurônios em laboratório, a equipe investigou o que drogas, como cisplatina, oxaliplatina, paclitaxel, docetaxel, talidomida e bortezomib, conhecidos quimioterápicos, causavam sobre a extensão dos processos neuronais e a sobre a viabilidade (sobrevivência) celular. Em paralelo, os cientistas também trataram os neurônios com um quimioterápico que não causa neuropatia, o 5-fluorouracil.
As drogas anti-tumorais derivadas de platino (cisplatina, oxaliplatina) e o bortezomib mostraram um forte efeito sobre os neurônios, causando diminuição da extensão dos processos neuronais e da viabilidade celular. Já paclitaxel e docetaxel tiveram um efeito mais proeminente na diminuição da extensão dos processos neuronais, mas pouco efeito sobre a viabilidade celular. A talidomida não causou nenhum tipo de efeito em nenhum desses parâmetros, mostrando que as diferentes drogas têm efeitos bastante variados sobre os neurônios. Como esperado, o 5-fluorouracil, conhecido por não causar neuropatia, não alterou a extensão dos processos neuronais ou sua viabilidade.
O grupo também testou se o extrato de uma erva medicinal japonesa, o Goshajinkigan, conhecido por seus efeitos neuroprotetores, poderia evitar os efeitos nocivos das drogas anti-tumorais testadas, encontrando resultados positivos. Assim, isto indica que esta plataforma desenvolvida a partir de células-tronco não só pode ajudar a identificar os efeitos das drogas sobre os neurônios, mas também pode ser usada para testar possíveis medicamentos que possam evitá-los.
Os pesquisadores ressaltam, porém, que o sistema infelizmente não reflete toda a complexidade do organismo e que os efeitos neurotóxicos podem ser indiretos, ou seja, podem ser decorrentes de alterações em outros tipos celulares, como células dos vasos sanguíneos ou células produtoras de agentes pró-inflamatórios. Um exemplo disso foi o resultado observado com a talidomida, que não causou alterações da extensão dos processos neuronais nem da sobrevivência destas células. Embora a talidomida seja uma droga conhecida por causa neuropatia periférica, acredita-se que isto se dê pelo seu efeito anti-angiogênico, ou seja, um efeito sobre os vasos sanguíneos, o que pode explicar o resultado visto no trabalho. Eles acreditam que o desenvolvimento de um sistema mais complexo, no qual as células-tronco sejam diferenciadas também para outros tipos celulares, pode ajudar para melhor avaliação dos efeitos neurotóxicos dos quimioterápicos.
De qualquer forma, os resultados do estudo são bastante animadores e são mais um exemplo de como as células-tronco podem ser usadas para desenvolver plataformas para testes de drogas, neste caso, tanto para testar os efeitos adversos de drogas contra o câncer quanto de possíveis medicamentos para contornar seus efeitos adversos.
Referência: Wing et al., Application of stem cell derived neuronal cells to evaluate neurotoxic chemotherapy. Stem Cell Res. 2017 15;22:79-88. doi: 10.1016/j.scr.2017.06.006.
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S187350611730106X