As células-tronco mesenquimais se mostraram seguras no tratamento da lesão medular e ajudaram na recuperação de alguns dos animais
A lesão medular é um problema que atinge cerca de 250.000 a 500.000 novos indivíduos por ano no mundo, afetando o bem-estar físico e psicológico do paciente e reduzindo sua expectativa de vida, o que traz impactos sociais e econômicos para toda a sociedade. Em cães e gatos, lesões medulares também podem ocorrer em decorrência de traumas ou condições patológicas específicas, prejudicando muito a vida destes animais e, em algumas situações, pode levar inclusive a indicação de eutanásia do animal.
Um estudo piloto conduzido por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) traz novas esperanças para o tratamento das lesões medulares, não só para os humanos, mas também para nossos amigos caninos. O grupo da Professora Regina Coeli Goldenberg tratou 6 cães com lesão medular crônica (ou seja, uma lesão já estabelecida por um período de pelo menos 6 meses e estabilizada em termos de progressão) utilizando células-tronco mesenquimais derivadas de tecido adiposo. Guiando-se por meio de imagens de raio-X, os pesquisadores injetaram as células diretamente na medula espinhal e precisamente no local da lesão, uma técnica que ainda não havia sido testada nesses animais. A técnica se mostrou eficaz pois, depois de 24 horas da injeção, as células-tronco mesenquimais, que foram marcadas com um composto radioativo para serem visualizadas, permaneciam no mesmo local.
Dos seis animais tratados, apenas dois não apresentaram melhoras clínicas no período de 16 semanas de observação do estudo. Três animais apresentaram melhoras significativas, mensuradas por uma escala específica que avalia a capacidade locomotora em cães, sendo que um deles inclusive voltou a andar. O sexto cão, embora não tenha apresentado evolução na escala utilizada, apresentou melhoras de propriocepção e também deixou de apresentar um comportamento de automutilação das patas traseiras, o que indica uma recuperação da sensibilidade à dor.
Nenhum efeito adverso da injeção das células foi observado, inclusive com relação a funções hepáticas e renais, que também foram avaliadas pelo grupo. Por outro lado, nenhum dos animais recuperou a capacidade de controle urinário.
O estudo não pôde avaliar os possíveis mecanismos induzidos pela injeção das células que resultaram na melhora dos cães, uma vez que os animais não poderiam ser sacrificados para investigação do tecido medular. Os cientistas acreditam, porém, que por se tratar de lesão medular crônica, é mais provável que as células-tronco mesenquimais tenham tido um papel mais direto de regeneração, possivelmente induzindo a formação de novos axônios ou mesmo a reposição de células perdidas, como oligodendrócitos, que são as células responsáveis pela formação da bainha de mielina (uma espécie de capa isolante que reveste os axônios neuronais, permitindo a condução do impulso nervoso). Em casos de lesão aguda, ou seja, uma lesão recente em que muitos mecanismos inflamatórios estão ativos, acredita-se que as células-tronco mesenquimais tenham mais um papel imunomodulatório, regulando a inflamação, impedindo maiores danos ao tecido.
O estudo dos pesquisadores da UFRJ foi o primeiro a investigar a segurança do uso de células-tronco mesenquimais derivadas de tecido adiposo para o tratamento de lesões medulares crônicas em cães ocorridas naturalmente (e não induzidas em laboratório) e, além disso, foi o primeiro a utilizar uma técnica de injeção local, guiada por raio-X, o que pode ter colaborado muito para potencializar os efeitos benéficos destas células de maneira localizada. O trabalho mostra a segurança do procedimento e os cientistas propõem agora que uma amostra maior de animais seja testada para que se comprove a eficácia do tratamento.
Referência:
Escalhão et al., Safety of Allogeneic Canine Adipose Tissue-Derived Mesenchymal Stem Cell Intraspinal Transplantation in Dogs with Chronic Spinal Cord Injury. Stem Cells Int. 2017;2017:3053759.