Injeções de células-tronco mesenquimais e de plasma rico em plaquetas são cada vez mais comuns no tratamento de dores nas articulações – mas a evidência científica ainda é escassa
Doenças articulares são tão comuns, e a dor e perda de movimento tão incapacitantes, que o medicamento mais vendido no mundo é o anti-inflamatório Humira (adalimumabe), usado
principalmente para tratar dores nas articulações. Um dos aspectos mais preocupantes (e dolorosos) das lesões articulares é a perda da cartilagem; uma vez comprometido, esse tecido raramente se regenera na idade adulta. O resultado é dor crônica, que pode ser aliviada com medicação e fisioterapia, mas que normalmente nunca mais vai embora. Justamente porque a cartilagem é incapaz de se recuperar, os tratamentos disponíveis aliviam os sintomas, mas não tratam a causa e nem oferecem cura.
Não é surpresa, então, que o mercado para novos tratamentos de dores nas articulações é enorme. De jovens atletas lesionados a idosos com doenças reumatológicas, são muitos os pacientes que se beneficiariam de um tratamento capaz de recuperar a cartilagem perdida ou os tendões danificados. Cada vez mais clínicas, no Brasil e no exterior, afirmam que esse tratamento já existe, e que envolve células-tronco e plasma rico em plaquetas (PRP), sozinhos ou em combinação. A evidência científica por trás desses procedimentos, no entanto, ainda é escassa.
A promessa das células-tronco no tratamento de dores nas articulações
Células-tronco podem ajudar a tratar distúrbios articulares de diferentes maneiras. Um dos modos sendo investigados é a bioengenharia de tecidos. As células-tronco seriam usadas para se diferenciar, em laboratório, em células de cartilagem (chamados condrócitos) e induzidas a formar um tecido cartilaginoso completo, que poderia ser implantado no paciente. Alguns tipos de células-tronco mesenquimais possuem alta capacidade de diferenciação em cartilagem, e estão sendo intensamente investigadas. Essa aplicação é promissora, mas está estágio inicial, e mais pesquisas são necessárias até que possa ser testada em humanos.
Um segundo uso de células-tronco é a aplicação das próprias células no local lesionado (em vez de diferenciá-las em cartilagem no laboratório primeiro, como discutido acima). Uma
possibilidade é que essas células, sozinhas ou estimuladas por fatores de crescimento (como os presentes no PRP) se diferenciariam em cartilagem no próprio local da lesão. Outra
possibilidade seria que as células-tronco injetadas liberariam fatores que estimulariam as células-tronco já presentes na articulação, e essas células (não as que foram injetadas) atuariam na regeneração articular. Embora esse método já seja comercializado em alguns países, poucos estudos clínicos foram conduzidos para comprovar que essa técnica realmente funciona. Como o procedimento é considerado relativamente seguro, muitos médicos continuam indicando para seus pacientes. mesmo sem evidências sólidas de que a intervenção seja eficaz.
A promessa do plasma rico em plaquetas no tratamento de dores nas articulações
O plasma rico em plaquetas (PRP) é obtido de uma amostra de sangue do paciente, que é centrifugada e separado em três frações: uma contendo hemácias, outra contendo leucócitos e a terceira rica em plaquetas. Algumas vezes, o PRP também inclui leucócitos, mas isso nem sempre é claramente divulgado pelas clínicas que oferecem esses tratamentos.
Plaquetas são células presentes na nossa corrente sanguínea que desempenham um papel importante no reparo do organismo. Em resposta a uma lesão, essas células migram para o local afetado e liberam fatores de crescimento importantes para cicatrização e regeneração tecidual. Por essa razão, alguns pesquisadores acreditam que a injeção desses fatores dentro da articulação lesionada levaria à regeneração da cartilagem comprometida.
Células-tronco e plasma rico em plaquetas no tratamento de dores nas articulações: a realidade
Atualmente, muitos ensaios clínicos estão em andamento para testar a segurança e eficácia da aplicação de células-tronco e PRP em doenças articulares e regeneração da cartilagem. No momento, não existe evidência suficiente de que qualquer um dos dois tratamentos, sozinho ou em combinação, funcione tão bem quanto, ou melhor, do que as terapias existentes (como anti-inflamatórios e injeções de ácido hialurônico).
Células-tronco são vivas, tipicamente com grande capacidade de multiplicação e migração, e os potenciais riscos são sempre grandes. Por essa razão, acreditamos que tratamentos com células-tronco só devam ser comercializados após extensivos testes em humanos e aprovação das agências regulatórias responsáveis – No Brasil, a Anvisa.
Até o momento, o plasma rico em plaquetas se mostrou relativamente seguro, apresentando baixo riscos de efeitos colaterais graves. No entanto, determinar se o PRP realmente funciona ou não está sendo difícil. No laboratório, o PRP parece ter efeitos benéficos sobre células de cartilagem isoladas, mas esses efeitos nem sempre são vistos nos estudos em animais. Em humanos, são necessários mais estudos. Os poucos ensaios clínicos realizados até o momento trazem resultados conflitantes: alguns indicaram melhora a longo prazo, enquanto outros não viram benefício. No entanto, como os resultados – limitados – obtidos até o momento indicam que a terapia é segura, muitos médicos continuam oferecendo aos seus pacientes, especialmente àqueles que já esgotaram todas as outras opções terapêuticas.
Fontes
Harvard Health Letter. Platelet-rich plasma therapy.
Berry & Murphy. Mesenchymal stem cells in joint disease and repair. Nature Reviews Rheumatology 9, 584-594 (October 2013) |
Filardo et al. Platelet-rich plasma: why intra-articular? A systematic review of preclinical studies and clinical evidence on PRP for joint degeneration. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2015 Sep;23(9):2459-74.
Gobbi et al. Platelet-rich Plasma and Bone Marrow-derived Mesenchymal Stem Cells in Sports Medicine. Sports Med Arthrosc. 2016 Jun;24(2):69-73.
Tuan et al. Cartilage regeneration. J Am Acad Orthop Surg. 2013 May;21(5):303-11.