Estudo aponta que células-tronco de pacientes com autismo apresentam desregulação de mecanismo importante para formação de neurônios

Estudo aponta que células-tronco de pacientes com autismo apresentam desregulação de mecanismo importante para formação de neurônios

As análises nas células-tronco mostram que, apesar de os pacientes com autismo apresentarem diferentes mutações genéticas, estas podem estar levando a alterações em um mesmo mecanismo celular

Estudos genômicos (que analisam a sequência do DNA, buscando por mutações) apontam que uma classe de genes que frequentemente se apresentam mutados nos pacientes autistas são genes que desempenham papel na regulação da formação do citoesqueleto, um conjunto de filamentos proteicos existentes no interior das células que têm várias funções, tais como, dar estrutura e forma para as células e permitir sua movimentação. Porém, nenhum trabalho ainda havia investigado efetivamente o funcionamento do citoesqueleto nas células desses pacientes. Pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Hospital Albert Einstein mostraram pela primeira vez que, ao menos em uma parcela dos pacientes autistas, os filamentos do citoesqueleto se reconstroem de uma forma mais lenta quando comparado a indivíduos sem autismo. Os autores utilizaram células-tronco derivadas de polpa de dente para realizar este estudo. Primeiramente, eles utilizaram uma droga para desfazer o citoesqueleto de actina (um dos tipos de filamento que fazem parte do citoesqueleto) e, em seguida, induziram a reconstrução desses filamentos, usando químicos específicos para isso. Uma hora depois dessa indução, os pesquisadores notaram que cerca de 50% dos pacientes testados tinham uma porcentagem significativamente menor de células com filamentos reconstituídos comparado aos controles, indicando que a reconstituição dos filamentos de actina acontece de forma mais lenta nesses indivíduos.

Apesar do nome, que nos remete a uma estrutura rígida como o esqueleto ósseo, o citoesqueleto é uma estrutura que está o tempo todo se desfazendo e se refazendo (ou em outras palavras, se despolimerizando e repolimerizando), uma propriedade que é justamente fundamental para que o citoesqueleto desempenhe seu papel na célula. Nos neurônios, o citoesqueleto é responsável por dar estrutura aos dendritos e axônios, prolongamentos especializados destas células por onde a transmissão das mensagens neuronais ocorre de um neurônio para o outro. Essa propriedade dinâmica de despolimerização e repolimerização do citoesqueleto é muito importante para os neurônios, pois isto é que vai permitir que dendritos e axônios se formem durante o desenvolvimento, que sejam conduzidos para a direção adequada e que sejam remodelados para que novas conexões se formem durante os processos de aprendizagem e memória. Por esta descrição, já podemos notar como esta função pode estar de fato relacionada ao autismo.

Apesar de o estudo ter sido realizado em células-tronco e não em neurônios, as células que provavelmente estão comprometidas nos pacientes com autismo, os pesquisadores acreditam que este modelo celular possa refletir as alterações da dinâmica de citoesqueleto que estejam ocorrendo no cérebro. Uma das razões para isso é que um dos pacientes que apresentou uma reconstituição mais lenta do citoesqueleto nesse estudo também mostrou alterações em seus neurônios relacionadas a essa estrutura em um trabalho anterior do grupo. O resultado ainda traz uma outra possibilidadeinteressante: “Ao vermos que as células-tronco de polpa de dente podem ser muito úteis para estudar os mecanismos que estão funcionando de forma inadequada nos neurônios dos pacientes autistas, isso abre a perspectiva de que elas poderiam ser utilizadas como opção em estudos para busca demedicamentos que possam reverter estas alterações”, afirma Dra. Karina Griesi, líder do trabalho.

Os transtornos do espectro autista são bastante heterogêneos do ponto de vista genético, ou seja, cada indivíduo com autismo pode possuir mutação em um gene ou em um conjunto de genes particular, diferente de outro paciente, mas os resultados desse trabalho reforçam a hipótese de que, embora exista essa heterogeneidade genética, aparentemente, as funções celulares prejudicadas pelas diferentes mutações dos pacientes são comuns.

Células-tronco de polpa de dente sem (à esquerda) e com (à direita) filamentos de citoesqueleto de actina.

Bibliografia:

Griesi-Oliveira K, Suzuki AM, Alves AY, Mafra ACCN, Yamamoto GL, Ezquina S, Magalhães YT, Forti FL, Sertie AL, Zachi EC, Vadasz E, Passos-Bueno MR. Actin cytoskeleton dynamics in stem cells from autistic individuals. Sci Rep. 2018 Jul 24;8(1):11138.

Este texto também foi publicado em: www.progene.ib.usp.br


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