Publicados resultados de ensaio clínico com células-tronco para esclerose múltipla

Publicados resultados de ensaio clínico com células-tronco para esclerose múltipla

Ensaio clínico que usa células-tronco hematopoiéticas para tratar esclerose múltipla foi divulgado ano passado e teve resultados publicados em periódico científico no início deste ano. A terapia foi capaz de reverter a doença em alguns pacientes mas ainda gera dúvidas, em grande parte devido a falhas de centro de pesquisa americano em seguir as Boas Práticas Clínicas e a regulamentação vigente.

Quando foi divulgado para a imprensa, no início do ano passado, o ensaio clínico MIST chamou a atenção tanto pelo relato de efeitos impressionantes do tratamento como por críticas à condução do estudo. Uma das questões levantadas na ocasião foi o fato de os resultados não terem, ainda, sido publicados em periódico científico revisado por pares. No início de 2019 o estudo foi publicado na revista JAMA e voltou a ser discutido.

A terapia teve origem na observação de que pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas após receber quimioterapia para tratar doenças como leucemia pareciam ter seu sistema imune reiniciado. As vacinas que eles haviam tomado quando crianças não funcionavam mais e eles deixavam de apresentar, por exemplo, alergias que tinham anteriormente. Isso gerou a ideia de usar essa abordagem para tratar doenças autoimunes graves, como a esclerose múltipla.

Um ensaio clínico canadense anterior já havia mostrado resultados positivos para 70% dos pacientes tratados com quimioterapia seguida de transplante de células-tronco hematopoiéticas, mas não tinha grupo controle. O MIST é um estudo maior, multicêntrico, randomizado, com grupo controle que recebeu medicamentos já aprovados para tratar esclerose múltipla remitente recorrente. Os resultados obtidos foram bastante promissores, com apenas três pacientes entre os tratados com o transplante de células-tronco tendo apresentado progressão da doença (enquanto 34 pacientes do grupo controle tiveram piora no quadro).

Ele teve início em 2005 e o recrutamento de participantes terminou em 2016, por isso o ocrelizumabe, que mostrou ótimos resultados no ensaio clínico OPERA mas ainda não tinha sido aprovado para comercialização, não foi incluído no estudo. O alentuzumabe, outro medicamento com bons resultados em ensaios clínicos e já aprovado para comercialização, não foi incluído porque poderia causar complicações e interferir no tratamento com transplante de células-tronco hematopoiéticas oferecido como opção aos pacientes do grupo controle após um ano de participação na pesquisa caso eles apresentassem piora no quadro.

Essa é uma limitação importante, pois não se sabe como o novo tratamento com células-tronco se sairia em comparação com esses medicamentos tanto em termos de eficácia como de risco de efeitos colaterais – mais estudos seriam necessários para permitir uma decisão informada quanto à melhor escolha terapêutica em cada caso. A crítica mais grave que se faz ao trabalho, no entanto, diz respeito falhas na condução do ensaio clínico.

Como já tínhamos dito aqui no blog, o pesquisador Richard Burt recebeu uma notificação da FDA em 2016 por violações de normas éticas e regulatórias na condução deste e mais dois estudos. Entre as violações citadas, estão: não reportar efeitos adversos à agência dentro do prazo determinado, não garantir avaliações de toxicidade do tratamento que estavam previstas no protocolo, não conduzir análises interinas que estavam previstas no protocolo, realizar mudanças no protocolo sem enviar emendas à FDA e não conduzir visitas de monitoria do estudo. A Vox ouviu especialistas em direito e bioética que foram unânimes em apontar que esses problemas comprometem a seriedade do trabalho realizado por Burt.

O tratamento também envolve riscos significativos, por ser bastante agressivo. No momento, existem bons indícios de que essa pode ser uma solução indicada para alguns pacientes. Pesquisas futuras devem esclarecer em que condições essa pode ser uma abordagem adotada na prática clínica.


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