Cientistas na Inglaterra criaram mini-cérebros a partir de células-tronco que se conectaram a amostras de medula espinhal e músculo e chegaram a controlar contrações musculares
O cultivo de organoides a partir de células-tronco é uma das ferramentas mais interessantes que temos disponíveis para estudar questões relacionadas ao desenvolvimento e ao surgimento de doenças. Nós temos acompanhado avanços constantes dessa abordagem na neurologia, com minicérebros ajudando a compreender a migração neuronal em condições normais e patológicas, sendo implantados no crânio de camundongos, e atingindo níveis maiores de complexidade, com a formação de mielina.
Mais recentemente, cientistas da Universidade de Cambridge relataram um feito inédito: eles cultivaram minicérebros a partir de células-tronco que foram capazes de se conectar a fragmentos de medula espinhal e músculo de camundongos e controlar a contração do tecido muscular.
Para atingir esse estágio de desenvolvimento, o grupo usou um novo método de cultivo. Em pesquisas anteriores, um fator limitante para o crescimento dos minicérebros era a falta de nutrientes no interior do organoide conforme a estrutura se tornava maior. Nesse estudo, os cientistas cortaram os minicérebros em fatias de meio milímetro, que foram colocadas em uma membrana flutuando em um líquido rico em nutrientes. Dessa forma, todas as partes do organoide tinham acesso a energia e oxigênio, e a estrutura continuou se desenvolvendo e formando novas conexões durante o período de um ano.
Além disso, eles adicionaram próximo ao organoide um fragmento de um milímetro de coluna espinhal de um embrião de camundongo e um pedaço do tecido muscular da região adjacente. Depois de algo entre duas e três semanas sendo cultivados em conjunto, os cientistas observaram axônios do minicérebro inervando o fragmento de coluna espinhal de camundongo e a formação de sinapses entre os axônios humanos e os neurônios da medula espinhal de camundongo. Eles observaram, também, contrações musculares no tecido muscular adjacente à coluna espinhal.
O principal objetivo dos pesquisadores é usar esse sistema como um modelo mais detalhado em estudos para entender o desenvolvimento do sistema nervoso e os mecanismos envolvidos no surgimento de condições como doenças neuromusculares, epilepsia, esquizofrenia, autismo e outras que envolvam problemas de conectividade no sistema nervoso.
Cada vez que um avanço como esse surge nessa área, são discutidas também questões éticas relacionadas a esse tipo de pesquisa, pois o cérebro é considerado o órgão responsável por gerar pensamentos, sentimentos e consciência. Apesar do avanço nesse experimento, a estrutura criada pelo grupo não é capaz de gerar essas percepções. O cérebro humano tem em torno de 80 a 90 bilhões de neurônios, ao passo que o minicérebro cultivado pelos pesquisadores tem alguns milhões – tamanho comparável aos cérebros de uma barata ou de um peixe-zebra. No que diz respeito à
variedade de neurônios e organização morfológica, a estrutura apresenta algumas semelhanças com o cérebro humano de um feto entre 12 e 16 semanas de gestação.
Referência:
Giandomenico S L et al. Cerebral organoids at their air-liquid interface generate diverse nerve tracts with functional output. Nature Neuroscience. 2019.