Grupo internacional de especialistas elabora nova ferramenta para a comunicação de terapias celulares

Grupo internacional de especialistas elabora nova ferramenta para a comunicação de terapias celulares

A padronização da comunicação sobre estudos clínicos com terapias celulares poderia ajudar no avanço das pesquisas, aumentando as possibilidades de reprodução e confirmação dos resultados em diferentes instituições e melhorando a qualidade da caracterização dos parâmetros relevantes associados aos efeitos do tratamento.

Nos últimos anos temos tido um aumento considerável no uso de terapias celulares, tanto em tratamentos experimentais realizados em ensaios clínicos conduzidos de acordo com as regulamentações e diretrizes de boas práticas vigentes como em clínicas que comercializam aplicações celulares não comprovadas. Houve uma multiplicação de estudos e de publicações em periódicos científicos a respeito dessas pesquisas, mas a comunicação das terapias celulares avaliadas não segue um sistema padronizado para a descrição dessas intervenções. Nesse cenário, como cientistas, profissionais da área da saúde e agências reguladoras podem se localizar para avaliar riscos e benefícios de uma determinada terapia celular, bem como tentar reproduzir seus resultados, tomar decisões clínicas e elaborar recomendações para pacientes?

Questões dessa natureza são importantes não apenas para a avaliação de terapias celulares, mas para a pesquisa clínica em diferentes áreas e algumas iniciativas foram desenvolvidas com a intenção de melhorar a qualidade das evidências obtidas nos estudos clínicos e da maneira como eles são relatados e usados para a elaboração de diretrizes para intervenções terapêuticas. Duas dessas iniciativas estabeleceram recomendações bastante úteis para guiar o processo de desenho e publicação de ensaios clínicos: uma delas é conhecida como SPIRIT (do inglês, Standard Protocol Items: Recommendations for Interventional Trials – Itens Padrão de Protocolo: Recomendações para Estudos Intervencionais, em tradução livre); a outra é conhecida como CONSORT (do inglês, Consolidated Standards of Reporting Trials – Padrões Consolidados para Relatar Ensaios Clínicos, em tradução livre). Além disso, o grupo de trabalho GRADE (do inglês, Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) elaborou um sistema para avaliação da qualidade de uma evidência (grau de confiança que se pode ter em um resultado) e da força de uma recomendação (grau de confiança relacionado ao balanço entre efeitos desejáveis e indesejáveis de uma intervenção terapêutica), e o instrumento AGREE (Appraisal of Guidelines for Research and Evaluation) avalia a qualidade de diretrizes clínicas.

Essas e outras ferramentas podem (e devem) ser utilizadas ao longo do desenvolvimento e uso de novas terapias celulares – mas existem, também, necessidades específicas dessa área que não são contempladas por esses guias. As células-tronco, as mais frequentemente usadas nesses casos, são muito heterogêneas e a sua atividade biológica (em nível celular e molecular) varia de acordo com uma série de parâmetros, como características dos pacientes, tecido de origem, métodos usados no processamento das células e formas de aplicação, entre outros. De particular importância são os elementos que podem ser usados para caracterização das células, como a composição, atividade biológica, viabilidade e expressão de marcadores. No entanto, a maneira como os parâmetros de interesse para o desenvolvimento de terapias com células-tronco são relatados é variável entre diferentes publicações.

Na tentativa de estabelecer uma padronização para a comunicação de estudos clínicos com terapias celulares, um grupo de especialistas em ortopedia elaborou uma ferramenta para comunicação dessas intervenções – chamada por eles de DOSES. Cada letra da sigla corresponde a um elemento que deve ser relatado nas publicações sobre intervenções com terapias celulares: D vem do inglês donor (doador) e pode ser autólogo (o doador é o próprio paciente que recebe a terapia), alogênico (o doador é uma pessoa diferente da que recebe a terapia) ou xenogênico (o doador é de uma espécie diferente da que recebe a terapia); O vem do inglês origin tissue (tecido de origem, por exemplo: medula óssea, tecido adiposo, cordão umbilical etc); S vem do inglês separation method (método de separação, abrange as diferentes técnicas usadas durante o processamento, como centrifugação, meio de cultura, purificação etc); E vem do inglês exhibited cell characteristics associated with behavior (características celulares associadas com o comportamento, como expressão de marcadores de superfície, atributos funcionais e físicos etc); e S vem do inglês site of delivery (local de aplicação, por exemplo, intra-articular, intravenoso, intramuscular etc).

Para chegar ao consenso sobre esses elementos, foi utilizado um método chamado Delphi, uma técnica usada para obter convergência de opinião entre especialistas em determinada área. Essa técnica envolve a aplicação de um questionário de maneira iterativa, com feedbacks que permitem que os participantes reavaliem a sua opinião inicial e que o questionário seja modificado de acordo com as sugestões dos participantes até que se tenha uma conclusão sobre o que pode ser considerado consensual entre aquele grupo. Para que uma afirmação fosse considerada um consenso nesse trabalho, mais de 80% dos participantes precisava concordar com ela e menos de 5% podia discordar.

Por esses critérios, a padronização proposta pela ISCT (International Society for Cell & Gene Therapy) para definir uma população celular como células-tronco mesenquimais, por exemplo, não foi considerada consensual, embora a maioria dos participantes tenha concordado com ela (61% concordaram e 18% discordaram). Apenas uma minoria (3%), por outro lado, discordou da afirmação que diretrizes futuras para descrever células devam ser compatíveis com os sistemas existentes.

O grupo que elaborou essa ferramenta acredita que ela possa ser útil para a comunicação de terapias celulares em aplicações que vão além das doenças musculoesqueléticas, e que modificações podem ser feitas a partir de novas descobertas e de discussões com uma comunidade mais ampla de especialistas em outras áreas, sociedades profissionais e organizações de padronização.

Referências

Murray I R et al. International Expert Consensus on a Cell Therapy Communication Tool: DOSES. The Journal of Bone & Joint Surgery. 2019.

Rodeo, Scott A. A Call for Standardization in Cell Therapy Studies. The Journal of Bone & Joint Surgery. 2019.

Hsu, Chia-Chien & Sandford B A. The Delphi Technique: Making Sense of Consensus. Practical Assessment, Research & Evaluation. 2007.

SPIRIT: Standard Protocol Itens: Recommendations for Interventional Trials.

CONSORT: Consolidated Standards of Reporting Trials.

GRADE Working Group.

AGREE – Advancing the science of practice guidelines.


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