Nos últimos anos, têm se multiplicado as notícias sobre estudos com células-tronco e suas possíveis aplicações na medicina. Muitos fatores influenciam as propriedades dessas células, como as características do tecido a partir do qual elas são obtidas, o método utilizado para isolar as células, e a composição do meio de cultura em que elas são cultivadas em laboratório. Dessa forma, cada detalhe envolvido no processamento dessas células é importante para determinar a sua qualidade e a segurança e eficácia de uma aplicação terapêutica.
Nós já falamos aqui no Tudo Sobre Células-Tronco sobre como as células-tronco variam em relação à sua capacidade de multiplicação e de diferenciação, podendo ser classificadas em algumas categorias gerais de acordo com essa capacidade. Mas dentro de cada categoria existe uma grande variabilidade em relação às propriedades das populações de células que podem ser obtidas para uso em pesquisas e aplicações terapêuticas, e esse é um dos tópicos mais estudados para o desenvolvimento de novos tratamentos com células-tronco.
Esses estudos são muito importantes, por exemplo, no caso das células-tronco mesenquimais. Essas células têm sido intensamente estudadas devido à sua capacidade de autorrenovação, que faz com que seja possível multiplicá-las em laboratório, ao seu potencial de diferenciação, que permite que elas deem origem a células especializadas, e à sua capacidade de modulação do sistema imune. As populações de células usadas nesses estudos, no entanto, apesar de serem normalmente classificadas dentro da categoria de células-tronco mesenquimais, podem variar bastante em relação às suas características, o que dificulta uma padronização dos métodos para obtenção e uso dessas células.
Um dos fatores que influencia de maneira significativa as propriedades das células-tronco mesenquimais é a fonte a partir da qual elas são obtidas, ou seja, a estrutura biológica ou tecido a partir do qual elas são extraídas. Alguns exemplos de fontes de células-tronco mesenquimais são a medula óssea, o tecido adiposo, tecidos dentários, pele, sangue menstrual, e tecidos fetais (como placenta e cordão umbilical, por exemplo). Entre essas, duas fontes têm recebido bastante atenção para o desenvolvimento de aplicações terapêuticas recentemente: o tecido adiposo e o cordão umbilical. O tecido adiposo é considerado uma fonte interessante porque é rico em células-tronco mesenquimais e permite a obtenção dessas células com procedimentos minimamente invasivos, e o cordão umbilical é considerado uma fonte interessante devido ao fato de as células serem extremamente jovens sendo que, nesse caso, as fontes mais estudadas para obtenção de células-tronco mesenquimais são uma região do cordão umbilical chamada geleia de Wharton e o sangue do cordão umbilical. Tanto o local de onde as células são obtidas como a idade do tecido influenciam a capacidade de essas células de se diferenciar em outros tipos celulares. Nós discutimos um exemplo de estudo avaliando essa questão aqui, em que foi concluído que células-tronco do cordão umbilical mais jovens, no terceiro trimestre de gestão, têm uma maior eficácia no tratamento de lesão espinhal em ratos, quando comparadas a células-tronco mesenquimais do cordão umbilical no final da gestação e células-tronco mesenquimais da medula espinhal.
Além da fonte de obtenção das células, diversos outros procedimentos realizados para sua extração e processamento em laboratório têm influência sobre as suas propriedades finais. Um dos procedimentos críticos, nesse sentido, é o método usado para isolar as células a partir dos tecidos. Os métodos mais usados podem ser classificados em duas categorias: cultura de explantes e digestão enzimática. Não existem, ainda, comparações sistemáticas dos dois tipos de procedimentos, mas alguns estudos já relatam algumas diferenças como, por exemplo, estudos indicando que o método de cultura de explantes permite a obtenção de populações menos heterogêneas, com maior taxa de proliferação e viabilidade celular quando comparado ao método de digestão enzimática. Além disso, o método de cultura de explantes permite a liberação de citocinas e fatores de crescimento no meio de cultura e menor tempo de proliferação, entre outros aspectos que podem ser vantajosos. Já no caso do método de digestão enzimática, sabe-se que o resultado em termos de produção, eficiência e viabilidade celular depende da concentração da enzima usada para dissociação e, também que, uma vez que o seu uso leva à digestão da matriz extracelular, ocorre uma diminuição na eficiência do seu isolamento. Existem, por outro lado, indicações de que pode ser vantajoso combinar os dois métodos.
Outro aspecto crítico bastante estudado envolve a composição do meio de cultura em que as células-tronco mesenquimais são cultivadas, que influenciam bastante no crescimento dessas células e nas suas características morfológicas, tendo consequências sobre a sua capacidade de diferenciação, multiplicação, imunomodulação, e sobre os produtos que são por elas secretados, como as vesículas extracelulares, que têm despertado interesse por favorecer processos regenerativos.
O desenvolvimento de aplicações terapêuticas usando células-tronco mesenquimais depende de um amplo conhecimento desses e outros aspectos que determinam tanto a eficiência de produção, como a qualidade das células obtidas e as suas propriedades, de modo que o melhor protocolo possa ser desenvolvido para o desenvolvimento de aplicações terapêuticas seguras e eficazes.
Referências:
Mushahary D et al. Isolation, cultivation, and characterization of human mesenchymal stem cells. Cytometry Part A: Journal of Quantitative Cell Science. 2017.