Algumas doenças, como a Esclerose Múltipla, podem levar à perda da bainha de mielina – substância, presente nos neurônios, que possibilita a transmissão rápida e eficiente dos impulsos nervosos. Alterações nessa estrutura podem causar problemas na comunicação entre os neurônios, levando aos sintomas da doença. Uma forma plausível de tratamento para a Esclerose Múltipla seria a reposição de células capazes de produzir mielina. Um grupo de pesquisadores americanos e dinamarqueses mostrou que essa abordagem é possível, por meio de transplantes de um tipo de célula-tronco presente no sistema nervoso – os progenitores gliais humanos – em camundongos que perderam a mielina e os resultados foram muito promissores
A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica crônica, autoimune e não-transmissível. Nesta enfermidade, as células do sistema imune do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões encefálicas e medulares. Neste processo acontecem reações inflamatórias que danificam progressivamente a bainha de mielina – substância lipídica que reveste os axônios dos neurônios e possibilita a transmissão rápida e eficiente dos impulsos nervosos. Essa desmielinização leva a sintomas como: problemas de equilíbrio e coordenação, alterações na bexiga e no intestino, tremor, espasmos, alterações da fala, alterações cognitivas, alterações da sensibilidade, dor, sensação de peso nas pernas e braços, problemas visuais, fraqueza muscular, intolerância ao calor, fadiga, distúrbios emocionais e distúrbios sexuais.
A causa dessa doença ainda é desconhecida, mas acredita-se que ela pode ser desencadeada devido à predisposição genética em combinação com fatores ambientais, que podem funcionar como “gatilhos”. Exemplos desses fatores são: baixos níveis de vitamina D, infecções virais (vírus Epstein-Barr) e tabagismo. Ainda não há cura para a Esclerose Múltipla – as terapias utilizadas atualmente ajudam somente a mitigar os efeitos da doença e baseiam-se em medicamentos e fisioterapia. Alguns pacientes recorrem também à tratamentos alternativos, mas esses ainda não possuem comprovação científica.
Apesar de ser uma doença sem causa definida e de difícil compreensão, pois afeta os pacientes de maneiras distintas, a possibilidade de utilização de células-tronco como forma de tratamento tem se mostrado promissora. Já falamos, em um texto anterior do blog, sobre um ensaio clínico em que foram utilizadas células-tronco hematopoiéticas para tratamento dos pacientes. Os resultados foram positivos, porém muitos pontos do trabalho foram criticados, diminuindo sua credibilidade. Em contrapartida, um estudo que acabou de ser publicado, no dia 19 de maio, no periódico Cell Reports, sugere que a reparação da desmielinização presente na Esclerose Múltipla, por meio de utilização de células-tronco, é algo possível. Nesta doença, além da bainha de mielina ser atacada pela células imunes, há também destruição dos oligodendrócitos, um tipo de célula glial responsável por produzir a mielina. Então, a estratégia dos pesquisadores foi observar se um transplante de células progenitoras gliais (um tipo de célula-tronco multipotente) seria capaz de promover o surgimento de novos oligodendrócitos e, posteriormente, a remielinização. Para realizar o experimento, os cientistas utilizaram progenitoras gliais extraídas de fetos humanos de segundo trimestre abortados (idade de 18 a 22 semanas de gestação). Essas células foram injetadas em uma região específica, abaixo do córtex, em camundongos adultos com desmielinização congênita (causada por mutação no gene que codifica a proteína básica da mielina) e em camundongos adultos com desmielinização induzida por cuprizona – uma substância que provoca a perda da mielina. As progenitoras gliais migraram pelo encéfalo, diferenciaram-se em oligodendrócitos e remielinizaram os axônios desmielinizados. Os camundongos transplantados tiveram a função motora restaurada. Além disso, nesse estudo também foi realizada uma avaliação sobre como a expressão gênica das progenitoras gliais humanas mudou após a mobilização induzida pela desmielinização, ou seja a pesquisa acabou fornecendo um conjunto de alvos moleculares para modulação da remielinização nas células humanas.
O conjunto de experimentos desse estudo forneceu uma importante evidência de que as progenitoras gliais têm capacidade de remielinizar axônios que já haviam sido mielinizados no passado e que foram desmielinizados posteriormente. Ou seja, esse trabalho é de extrema importância pois, fornece informações promissoras sobre uma possível forma de tratamento que beneficie não somente pacientes com Esclerose Múltipla, mas também pacientes com outros problemas desmielinizantes como lesão encefálica ou de medula espinal e perda de substância branca causada por diabetes, hipertensão ou demências.
Referências
Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) – O que é Esclerose Múltipla? (20/02/2016): http://abem.org.br/esclerose/o-que-e-esclerose-multipla/
Albert Einstein – Esclerose Múltipla (EM) : https://www.einstein.br/doencas-sintomas/esclerose-multipla
Esclerose Múltipla Brasil – Sinais e sintomas da esclerose múltipla: https://esclerosemultipla.com.br/sobre-em/entendendo-a-esclerose-multipla/sinais-e-sintomas/
Figura: Sanofi – O que é esclerose múltipla?: https://www.sanofi.com.br/pt/sua-saude/esclerose-multipla