Minicérebros estão ajudando a desvendar as consequências neurológicas da COVID-19

Minicérebros estão ajudando a desvendar as consequências neurológicas da COVID-19

Há uma intensa discussão na comunidade científica sobre a possibilidade da COVID-19 desencadear complicações neurológicas. Mas, até o momento, essas complicações ainda não tinham sido demonstradas experimentalmente. Esse fato acaba de mudar – um estudo, que utilizou minicérebros produzidos a partir de células-tronco humanas, alerta para problemas neurológicos preocupantes que podem surgir a longo prazo em decorrência da infecção pelo coronavírus

 

Apesar de os principais sintomas associados à COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019) estarem relacionados ao sistema respiratório, muitas evidências têm mostrado que o vírus responsável por essa doença, o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) também consegue infectar outros órgãos e pode afetar outros sistemas. Assim, torna-se extremamente importante a investigação das consequências de curto e longo prazo associadas à doença, inclusive em sistemas além do respiratório. Em junho desse ano, foi publicado, por pesquisadores brasileiros, um artigo em que são discutidas as possíveis consequências neurológicas associadas à COVID-19. Nesse artigo é destacado o fato de que outros vírus, como por exemplo o Zika vírus ou mesmo outros tipos de coronavírus, são capazes de chegar ao sistema nervoso central e provocar problemas neurológicos como neuroinflamação, encefalite e alterações de consciência. Também é discutida a possibilidade de que a COVID-19 acabe promovendo danos ao sistema nervoso central ou aumente a susceptibilidade a alterações já existentes, levando ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas ou doenças autoimunes como a Esclerose Múltipla. 

Entretanto, embora estejam sendo intensamente discutidos, os efeitos do coronavírus sobre o sistema nervoso ainda não tinham sido demonstrados experimentalmente, mas esse fato acaba de mudar. Um estudo, realizado por pesquisadores da Alemanha, encontra-se disponível no servidor bioRxiv e traz importantes contribuições importantes nesse sentido. É importante notar que esse estudo ainda está sendo revisado pela comunidade científica, não devendo, portanto, ser tratado como informação totalmente estabelecida, mas ele já fornece resultados muito interessantes. Ele consistiu na utilização de um tipo de modelo in vitro, desenvolvido a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) humanas – o organoide cerebral ou minicérebro (Para saber mais informações sobre os organoides cerebrais, leia aqui). Os minicérebros mimetizam o desenvolvimento do encéfalo e sua variada gama de tipos celulares. Por conta disso, foram usados para investigar como o coronavírus se comporta no tecido nervoso. Os resultados obtidos são os seguintes:

  • Diferentemente do Zika vírus, que infecta células-tronco neurais, afetando encéfalos de embriões, o coronavírus tem preferência por neurônios maduros. Ou seja, aparentemente, os cérebros de embriões são menos susceptíveis aos efeitos neurotóxicos do vírus;
  • Embora o coronavírus infecte rapidamente as células neurais, ele não consegue se replicar eficientemente dentro dessas células;
  • Os neurônios infectados pelo coronavírus apresentaram sinais semelhantes àqueles encontrados no início de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer: alterações na localização e função da proteína Tau (proteína fundamental para o funcionamento neuronal, mas que sofre modificações na doença de Alzheimer – para saber mais sobre esse assunto, leia aqui e aqui)
  • Um número significativo de neurônios infectados pelo coronavírus sofreu morte celular

Ou seja, todos os resultados anteriormente citados indicam que o coronavírus não somente é capaz de infectar o sistema nervoso central, como também pode promover modificações celulares que podem levar ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Assim, devemos nos preocupar não somente com os efeitos imediatos da COVID-19, mas também com suas consequências a longo prazo.

Esse estudo é relevante também, pois além de ressaltar como os minicérebros podem nos ajudar a entender o funcionamento do coronavírus no sistema nervoso, ele mostra que esse modelo in vitro poderá ser utilizado futuramente como uma plataforma para teste de fármacos para combater o vírus e proteger o sistema nervoso.

Referências

Ramani, A. et al. SARS-CoV-2 Targets Cortical Neurons of 3D Human Brain Organoids and Shows Neurodegeneration-like Effects. BioRxiv (2020)

News Medical – COVID-19 may damage the central nervous system (21/05/2020):  https://www.news-medical.net/news/20200521/COVID-19-may-damage-the-central-nervous-system.aspx

De Felice, F. G. et al. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the Central Nervous System. Trends in Neurosciences 43(6):355-357 (2020)


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