A Ayahuasca ou chá do Santo Daime é uma bebida com propriedades psicoativas que vem despertando o interesse dos cientistas devido a seus potenciais usos terapêuticos no tratamento de diversas doenças neurológicas, como por exemplo depressão, doença de Alzheimer e doença de Parkinson. Muitos estudos têm sido realizados visando investigar os efeitos moleculares, celulares e fisiológicos de diversos compostos presentes na bebida. Uma vez que o uso religioso da Ayahuasca não é proibido no Brasil, seu estudo é mais facilitado no país, dessa forma, os cientistas brasileiros possuem uma oportunidade única de liderança mundial nessa nova e promissora área de pesquisa
A Ayahuasca, também conhecida como chá do Santo Daime, é uma bebida que era originalmente utilizada em rituais de tribos indígenas, mas que, atualmente, passou a ser utilizada em novos contextos, como rituais religiosos e como uma forma de busca pelo autoconhecimento. O psicoativo é produzido a partir da mistura de duas plantas: a videira ayahuasca (Banisteriopsis caapi) e o arbusto chacrona (Psychotria viridis). Os principais alcalóides presentes na Ayahuasca são: harmina, THH, harmalina, N, N-dimetiltriptamina (DMT) e 5-methoxy-N,N-dimethyltryptamine (5-MeO-DMT). Porém, não são somente as propriedades psicoativas que chamam atenção nessa bebida: muitos pesquisadores têm demonstrado interesse em seu potencial terapêutico e têm realizado uma série de estudos visando entender melhor seu funcionamento no organismo humano.
A avaliação dos efeitos de uma única dose de Ayahuasca em seis voluntários diagnosticados com depressão recorrente sugeriu que a bebida tem efeitos ansiolíticos e antidepressivos de ação rápida. Além disso, avaliações realizadas em roedores, demonstraram que o uso de harmina leva à redução dos sintomas associados à depressão. Em decorrência desses resultados, muitos cientistas começaram a estudar os efeitos celulares e moleculares causados pela administração de diferentes compostos presentes na Ayahuasca.
Em dezembro de 2016, um estudo publicado na PeerJ, realizado por um grupo de pesquisadores liderado pelo cientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstrou que a harmina é capaz de induzir a formação de novos neurônios – processo conhecido como neurogênese. O efeito causado pela harmina é similar ao causado por medicamentos antidepressivos. Neste estudo, as células progenitoras neurais foram submetidas a um tratamento com a substância e, após 4 dias de tratamento, houve um aumento de 70% na quantidade dessas células. Esse efeito foi obtido por meio da inibição da enzima DYRK1A. Essa enzima encontra-se muito ativada em pessoas com Síndrome de Down e com Doença de Alzheimer, ou seja, além de apresentar um potencial terapêutico contra a depressão, a harmina pode também ser interessante para o tratamento dessas outras duas doenças.
Um outro estudo do mesmo grupo, juntamente com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicado em 2017 na revista Scientific Reports (do grupo Nature), mostrou, por meio de uma análise realizada em organoides cerebrais (também conhecidos como minicérebros), que o tratamento desses agregados celulares com 5-MeO-DMT provocou alterações em diversas proteínas responsáveis por modular a resposta anti inflamatória e a formação e maturação de novas espinhas dendríticas (para saber mais sobre organoides cerebrais leia aqui).
Um estudo, realizado na Universidade Complutense de Madri, na Espanha e publicado na revista Translational Psychiatry (do grupo Nature), em novembro de 2020, mostrou, por meio de testes in vitro com neurosferas (um tipo de agregado celular composto de células-tronco neurais), que o DMT tem capacidade de aumentar a proliferação das células-tronco neurais e de regular o destino dessas células, uma vez que consegue aumentar a quantidade de neurônios, astrócitos e oligodendrócitos produzidos. Além disso, nesse trabalho foram realizados testes com modelos animais, os quais mostraram que o tratamento com DMT aumenta a capacidade cognitiva, uma vez que provoca melhora no processamento da memória e na aprendizagem. Essas propriedades do DMT reforçam a ideia de que a Ayahuasca pode vir a ser utilizada futuramente como forma de tratamento contra diversas doenças neurológicas em que há perda de células do sistema nervoso, como é o caso da doença de Alzheimer e da doença de Parkinson, por exemplo.
Todos esses estudos citados anteriormente, juntamente com uma série de outros estudos que vêm sendo realizados com as substâncias presentes na Ayahuasca, são importantíssimos para investigar seu potencial terapêutico no tratamento de diversas doenças neuropsiquiátricas e neurodegenerativas. Uma vez que o uso religioso da Ayahuasca não é proibido no Brasil, diferentemente do que acontece em outros países, os cientistas brasileiros possuem uma oportunidade única de protagonismo mundial no estudo da Ayahuasca e de suas propriedades medicinais. É uma área de pesquisa muito nova e que certamente ainda produzirá conhecimentos muito interessantes e promissores.
Referências
DW – Raízes da Amazônia ajudam na formação de neurônios (22/12/2016): https://www.dw.com/pt-br/ra%C3%ADzes-da-amaz%C3%B4nia-ajudam-na-forma%C3%A7%C3%A3o-de-neur%C3%B4nios/a-36871609
Dakic, V. et al. Harmine stimulates proliferation of human neural progenitors. PeerJ 4:e2727 (2016)
SoCientífica – Este chá amazônico estimula a formação de novos neurônios (11/11/2020): https://socientifica.com.br/efeitos-da-ayahuasca-no-cerebro/
Metrópoles – Substância da ayahuasca estimula a criação de novos neurônios, diz pesquisa (09/11/2020): https://www.metropoles.com/saude/substancia-da-ayahuasca-estimula-a-criacao-de-novos-neuronios-diz-pesquisa