Diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo estão estudando abordagens que utilizam células-tronco contra a COVID-19. Vesículas derivadas das células-tronco, denominadas exossomos, parecem ter capacidade de reduzir os processos inflamatórios exacerbados que podem surgir nos pacientes, dessa forma auxiliando no controle dos danos causados pela doença. Embora os testes ainda estejam em período inicial de desenvolvimento, eles podem, eventualmente, oferecer uma alternativa para tratamento da doença.
A COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019) é uma doença que vem preocupando as populações de muitos países e ameaçando o funcionamento do sistema de saúde ao redor do mundo. O vírus causador dessa enfermidade é o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (do inglês, severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 ou SARS-CoV-2). Os primeiros casos da doença apareceram em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China e, em março de 2020, a imprensa de diversos países já havia notificado o espalhamento do vírus ao pelo mundo e a OMS classificou o surto como pandemia.
Os sintomas da COVID-19 são febre, tosse seca, fadiga e dor no corpo, podendo evoluir, ao longo da infecção, para um quadro de falta de ar. Mais comumente em pacientes classificados como grupo de risco, constituído por pessoas com mais de 60 anos e com doenças crônicas como diabetes, hipertensão, câncer ou problemas pulmonares, o quadro clínico pode se desenvolver em pneumonia, problemas respiratórios e falência múltipla dos órgãos. Em alguns desses casos, a COVID-19 pode levar à morte. A transmissão viral é realizada por meio de gotículas produzidas pelas vias respiratórias das pessoas infectadas: ao espirrar ou tossir, essas gotículas podem ser inaladas ou atingir diretamente a boca, nariz ou olhos de quem estiver próximo. Elas podem também ficar sobre superfícies e objetos e acabar infectando a pessoa que as tocar e levar a mão aos olhos, nariz ou boca. Por isso medidas de distanciamento entre as pessoas e de higienização das mãos com sabão e álcool (a porcentagem necessária para que o álcool seja eficiente no combate à microorganismos é de 65% a 80%, sendo a concentração de 70% a mais eficaz) são tão importantes como forma de prevenção contra o contágio. O intervalo de tempo entre a exposição ao vírus e o início dos sintomas pode variar de 2 a 14 dias, contudo, há casos em que o indivíduo pode permanecer assintomático ou pode manifestar sintomas leves. É importante ressaltar que, mesmo nesses casos, o indivíduo ainda pode transmitir a doença e que as pessoas contaminadas podem vir a desenvolver sintomas graves, conforme descrito acima. Devido ao alto poder de propagação e infecção do vírus, os governos de muitos países têm incentivado medidas como o distanciamento entre indivíduos, o isolamento social e a quarentena, visando a diminuição do ritmo de novas infecções, para não causar sobrecarga dos serviços de saúde.
Atualmente, não existem antivirais para combater a doença nem vacinas para prevenir infecção – especialistas indicam que uma vacina efetiva demorará de 1 a 2 anos para ficar pronta. O tratamento da COVID-19 consiste no alívio dos sintomas e cuidados de apoio. Além dos esforços de pesquisadores para desenvolvimento de uma vacina, há inúmeras abordagens sendo realizadas no mundo inteiro visando a produção de tratamentos eficazes contra o vírus, dentre elas, a utilização de células-tronco. A COVID-19 pode desencadear um processo inflamatório significativo, assim, o organismo infectado acaba produzindo grandes quantidades de células ativas do sistema imune e de fatores inflamatórios, processo que pode levar o indivíduo à morte. Assim, a ideia de utilização de células-tronco tem como objetivo a redução dessa inflamação grave. Um tipo de célula-tronco que tem se mostrado promissora para esse fim são as células-tronco mesenquimais (CTMs), uma vez que estudos anteriores, realizados em modelos animais, demonstraram que essas células, ao serem administradas intravenosamente, possuem efeitos imunomodulatórios benéficos. Alguns desses estudos mostram que transplantes de CTMs podem produzir melhoras do microambiente pulmonar, inibição da ativação exacerbada do sistema imune, reparo tecidual e proteção de células epiteliais alveolares, prevenindo fibrose pulmonar ou melhorando as funções pulmonares. Um estudo publicado por pesquisadores chineses na revista Aging and Disease, corrobora essa ideia. Nesse estudo, sete pacientes com sintomas graves da doença foram tratados com transplante de CTMs e apresentaram melhora significativa, sem apresentação de reações adversas, com apenas dois dias de tratamento. Porém, apesar do resultado animador, é necessária cautela para se evitar precipitações: foi utilizado um número pequeno de pacientes e em diferentes momentos da doença. Dessa forma o uso de células-tronco ainda não pode ser indicado como forma robusta de tratamento. O biólogo Paul Knoepfler salienta, em seu blog, a importância de uma reflexão sobre se os testes clínicos envolvendo pacientes com COVID-19 e células-tronco realmente valem a pena em qualquer circunstância. A Sociedade Internacional para Pesquisa com Células-tronco (ISSCR) fez uma declaração ressaltando que atualmente ainda não existem abordagens aprovadas que utilizam células-tronco para tratamento da COVID-19.
Apesar dessas ressalvas, além do estudo citado acima, há, até o momento, o registro de outros 28 testes clínicos com utilização de células-tronco como forma de combate à COVID-19. Esses números indicam que muitos esforços estão sendo realizados por diversos grupos de pesquisa visando investigar a possível contribuição das células-tronco contra a pandemia. Aqui no Brasil, o laboratório de investigação pulmonar da UFRJ, liderado pela pesquisadora Patrícia Rocco, tem estudado a possibilidade do uso de CTMs contra a doença. Em entrevista para o jornal O Globo, a cientista explicou sua abordagem pontuando, entretanto, que o transplante das células-tronco por si só não seria capaz de ser benéfico contra o vírus, uma vez que essas células podem ser infectadas e destruídas por ele. Desta maneira, a ideia de Patrícia e seu grupo é explorar os efeitos dos exossomos – vesículas, liberadas pelas células-tronco, que contém micro-RNAs, RNAs mensageiros e uma série de outras substâncias (veja, neste post anterior, como o papel destas vesículas está sendo estudado no envelhecimento). Essas vesículas podem provocar modulação da inflamação grave e não podem ser afetadas pelo vírus. A ideia do grupo de pesquisa é primeiramente provar que essas vesículas podem realmente atuar in vitro (testes em culturas celulares, esferoides e organoides) e, caso haja resultados positivos, aí sim elas passarão a ser administradas em um pequeno grupo de pacientes.
Muito cuidado deve ser tomado com a divulgação de informações incompletas ou erradas acerca desse tema, pois isso pode suscitar falsas esperanças. Como mencionado acima, muitos estudos e testes clínicos já estão sendo realizados visando descobrir como o uso de células-tronco pode ser benéfico contra a pandemia. O acesso a informações relacionadas a esses estudos é importante para nortear tanto líderes de estado e órgãos governamentais quanto a população de todo o mundo.
E você, o que acha sobre o uso de células-tronco contra a COVID-19?
Referências
Stem Cells for Coronavirus: Could Cells Be The Cure? (21/03/2020)
Coronavírus: ‘Infectado vira fábrica de vírus antes de ter sintomas’, diz pesquisadora da UFRJ (24/03/2020)
COVID-19 stem cell trials pile up during novel coronavirus outbreak (19/02/2020)
ISSCR Statement Regarding the Marketing of Unproven Stem Cell Treatments for COVID-19 (06/03/2020)