Usando técnica de microfluídica que permite a produção de “órgãos em chips”, cientistas criaram barreira hematoencefálica a partir de células-tronco pluripotentes induzidas de pacientes de doenças neurológicas. Estruturas como essas tem potencial utilidade para aplicações de medicina personalizada, como testes para identificar o medicamento mais indicado para cada caso.
A barreira hematoencefálica é uma estrutura fundamental para a regulação da homeostase do cérebro, atuando como uma espécie de filtro entre a corrente sanguínea e o tecido cerebral. Dessa forma, ela permite a passagem de nutrientes e moléculas metabólicas importantes para o seu funcionamento e bloqueia a passagem de toxinas e outras substâncias de modo que elas não cheguem ao tecido cerebral, onde poderiam causar danos.
No entanto ela pode, também, impedir a passagem de medicamentos. Além disso, existem evidências de que algumas doenças neurológicas, como esclerose múltipla, epilepsia, doenças de Alzheimer e de Huntington, estão associadas a um funcionamento inadequado da barreira hematoencefálica. Por isso, compreender em detalhes o funcionamento dessa estrutura em pessoas saudáveis e em pacientes é importante para avançar no conhecimento sobre essas doenças e no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.
Uma vez que existem diferenças importantes na atividade da barreira hematoencefálica em humanos e animais, um modelo humano dessa estrutura é necessário para esses estudos e para descobrir medicamentos que possam atravessá-la e atuar diretamente no cérebro. Nós tratamos recentemente, aqui no blog, do uso da microfluídica, tecnologia que permite criar órgãos em chips a partir da diferenciação de células-tronco e que já foi utilizada para a replicação em microchips de diversas estruturas como cérebro, coração e medula óssea. Essa abordagem traz novas possibilidades para a medicina personalizada, a partir do uso de células dos próprios pacientes para gerar modelos de doenças e testar medicamentos.
Agora, cientistas da Universidade Ben-Gurion do Neguev, em Israel, e do Centro Médico Cedars-Sinal, em Los Angeles, conseguiram, pela primeira vez, criar uma barreira hematoencefálica em um chip a partir de células-tronco pluripotentes induzidas humanas usando essa tecnologia. O estudo foi publicado na revista Cell Stem Cell e, nele, o grupo descreve a criação de um modelo que apresenta muitas funções fisiológicas semelhantes às funções da barreira hematoencefálica humana.
Inicialmente, os pesquisadores coletavam células sanguíneas dos indivíduos e reprogramavam geneticamente essas células, gerando as células-tronco pluripotentes induzidas. Essas células-tronco eram, então, diferenciadas, dando origem aos diferentes tipos de células especializadas que formam a barreira hematoencefálica. As células especializadas eram posicionadas em um dispositivo de microfluídica, formando uma barreira hematoencefálica em um chip.
Esse procedimento foi realizado tanto com células de indivíduos saudáveis como com células de pacientes portadores da síndrome de Allan-Herndon-Dudley e da doença de Huntington. Os resultados foram consistentes entre as funções fisiológicas exibidas pelas estruturas criadas a partir das células dos participantes saudáveis e, no caso das estruturas criadas a partir das células dos pacientes, os resultados mostraram alterações funcionais semelhantes às observadas em pacientes com essas doenças.
Variações genéticas podem levar a diferenças na maneira como os pacientes respondem a medicamentos, de modo que, para muitas doenças neurológicas, pode ser difícil encontrar o melhor medicamento para cada indivíduo – escolha que é frequentemente feita por tentativa e erro. A barreira hematoencefálica em um chip criada nesse trabalho tem potencial para tornar esse processo mais eficiente, pois, conforme dito pelo Dr. Vatine, um dos investigadores principais do estudo, ela “fornece uma plataforma para modelar doenças neurológicas hereditárias, e promove a triagem de medicamentos, assim como a medicina personalizada.”
Referências
Vatine G D et al. Human iPSC-Derived Blood-Brain Barrier Chips Enable Disease Modeling and Personalized Medicine Applications. Cell Stem Cell, 2019
American Associates, Ben-Gurion University of the Negev. “First blood-brain barrier chip using stem cells.” ScienceDaily, 2019