Embora não tenham influenciado a proliferação de células cancerígenas, as células-tronco de gordura podem estimular genes relacionados a tumorigênese
Os enxertos de gordura são utilizados na prática médica para reconstrução tecidual desde o final do século XIX. Porém, nos últimos anos, tem se mostrado que o enriquecimento desses enxertos com células-tronco presentes na própria gordura melhora a eficiência do procedimento pois as células- tronco estimulam a migração, a diferenciação e a sobrevivência celular, bem como a formação de vasos sanguíneos novos, processos fundamentais para que o tecido enxertado sobreviva no local para onde foi transplantado. Este enriquecimento da gordura com células-tronco se dá através de um processamento especial, no qual as células-tronco são separadas deste tecido e depois novamente misturadas, porém, a um volume menor de gordura do que o inicial, aumentando assim a proporção de células-tronco por volume de gordura.
Por conta dessa maior eficiência, esta prática tem sido utilizada em substituição ao enxerto simples de gordura para realização de reconstrução tecidual em vários locais do corpo, como, por exemplo, para aumento do volume ou reconstrução mamária após mastectomia em razão de um câncer de mama, em substituição ou em conjunto com próteses de silicone. Porém, nestes casos em particular, há que se considerar que estas mesmas características das células-tronco que aumentam o sucesso do enxerto podem por outro lado favorecer ou estimular células cancerígenas residuais que possam ter ficado no tecido.
E foi justamente esta hipótese que pesquisadores do National Center for Tumor Diseases na Alemanha decidiram investigar. Para isso, o grupo da Dra. Eva Koellensperger cultivou células-tronco mesenquimais de gordura em conjunto com células de câncer de mama e avaliaram uma série de aspectos relacionados a tumorigênese, como proliferação das células, capacidade de migração e de estimular formação de vasos sanguíneos.
Eles observaram que quando cultivadas em conjunto, as células-tronco de gordura não alteraram os níveis de proliferação celular das células cancerígenas, um resultado a favor da segurança do uso desse tipo de procedimento. Porém, as células cancerígenas passaram a expressar em níveis mais altos genes que favorecem a formação de tumores, bem como a secretar substâncias que também têm esse efeito. Quando células endoteliais (células formadoras de vasos sanguíneos) foram tratadas com o meio de cultivo onde as células-tronco de gordura e as células cancerígenas foram crescidas juntas, os cientistas observaram uma maior formação de estruturas semelhantes a vasos em comparação à situação em que as células endoteliais foram tratadas com o meio onde só células-tronco ou só células cancerígenas foram cultivadas. Este resultado indica, assim, que possivelmente as células-tronco, se colocadas em um ambiente em que haja células cancerígenas residuais, poderiam estimular de forma mais acentuada a formação de vasos sanguíneos, o que neste caso, não seria interessante, pois estariam favorecendo a irrigação sanguínea de um tumor em formação.
Há que se considerar, no entanto, que não existem relatos de aumento de risco de reincidência de formação de tumores com o uso de enxertos de gordura comuns (que embora não enriquecidos, possuem também células-tronco) em mulheres que realizaram mastectomia por conta de um câncer de mama. Além disso, todos os estudos foram realizados in vitro, e nem sempre os mesmos resultados são observados in vivo, uma situação em que muitos outros fatores também podem influenciar nas respostas celulares. Mesmo assim, estes resultados precisam ser vistos com cautela e indicam que estudos em animais devem ser feitos para que se possa explorar melhor os possíveis efeitos adversos do uso dos enxertos enriquecidos com células-tronco de gordura em mulheres que tiveram câncer de mama.
Referência:
Koellensperger E, et al. The impact of human adipose tissue-derived stem cells on breast cancer cells: implications for cell-assisted lipotransfers in breast reconstruction. Stem Cell Res Ther. 2017 May
25;8(1):121. doi: 10.1186/s13287-017-0579-1.
https://stemcellres.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13287-017-0579-1