Pesquisadores brasileiros conduziram um estudo clínico em pacientes acometidos pelo fotoenvelhecimento da pele da face, realizando um tratamento com células-tronco derivadas da gordura. Eles observaram que, em poucas semanas, o tratamento com células-tronco foi capaz de eliminar a rede de elastina danificada pelo sol, substituindo-a por tecidos e estruturas normais e sem danos – mesmo nas camadas mais profundas da pele.
Rugas, linhas finas de expressão e manchas são problemas de pele inevitáveis que aparecem à medida que envelhecemos. Embora nós coloquemos a culpa no número de primaveras vividas, o principal culpado é o fotoenvelhecimento – danos à pele causados pela exposição prolongada à luz solar e radiação ultravioleta (UV). Responsável por 90% das alterações visíveis na pele, o fotoenvelhecimento é um resultado direto dos danos acumulados do sol ao qual somos expostos ao longo da vida.
Mas como os raios solares podem danificar a pele? Para entender melhor, vamos descobrir um pouco mais sobre a estrutura da pele e os componentes da luz solar.
A pele é formada por três camadas: a epiderme, ou camada mais externa; a derme, ou camada do meio; e a hipoderme, ou camada subcutânea. A derme contém colágeno, elastina e outras fibras que suportam a estrutura da pele. São esses elementos que dão à pele sua aparência suave e jovem – e que são danificados pela radiação UV.
A radiação UV que afeta a pele é composta por dois tipos diferentes de ondas, UVA e UVB. Quando os raios UV atingem a pele, eles danificam seu DNA, e as células da derme passam a produzir melanina na epiderme para evitar mais danos. Este é o processo que gera aquele aspecto bronzeado, que consiste, na verdade, em uma tentativa da pele de impedir que a radiação a penetre. Os raios UVB são mais curtos que os raios UVA e são os principais responsáveis por queimaduras solares. Os raios UVA, com seu comprimento de onda mais longo, são responsáveis por grande parte dos danos que associamos ao fotoenvelhecimento. Os raios UVA penetram profundamente na derme, onde danificam as fibras de colágeno e provocam um aumento da produção anormal de uma proteína chamada elastina.
Há muito tempo pesquisadores e cirurgiões plásticos vêm estudando formas de se tratar a pele danificada pelo processo de fotoenvelhecimento. Uma das estratégias usadas e que vem dando resultados promissores é o enxerto de células-tronco autólogas (isto é, obtidas do próprio paciente) nos locais acometidos. Apesar dos bons resultados, o mecanismo pelo qual esse enxerto de células-tronco atua na regeneração da pele fotoenvelhecida não era ainda bem compreendido. No entanto, um estudo publicado recentemente por uma equipe de brasileiros, em parceria com pesquisadores italianos, elucidou a ação do enxerto de células-tronco a nível microscópico. A equipe é filiada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina de Petrópolis, Universidade de Verona e Clínica San Francesco (Itália), e liderada pelo cirurgião plástico Dr. Luis Charles-de-Sá.
Já contamos aqui no blog sobre um trabalho realizado pela mesma equipe de pesquisadores, que trouxe evidências de que células-tronco do tecido adiposo (ou seja, da gordura) podem promover o rejuvenescimento facial (veja aqui). Neste trabalho anterior, a equipe observou que as células-tronco estimulam o aparecimento de novas fibras elásticas, contribuindo para redução da flacidez e, consequentemente, para o rejuvenescimento da pele. O foco da nova etapa do estudo foi na pele fotoenvelhecida.
Os pesquisadores avaliaram os efeitos em nível celular e molecular do tratamento com células-tronco mesenquimais (CTMs) derivadas do tecido adiposo na pele da face danificada pelo sol. Todos os 20 pacientes do estudo, com idade média de 56 anos, estavam com cirurgia plástica facial agendada (lifting facial – uma cirurgia plástica que eleva e reposiciona os tecidos da face, eliminando rugas e excesso de pele). Todos pacientes moravam no nordeste do Brasil, região em que se espera exposição solar mais intensa. Veja aqui o registro do ensaio clínico.
Para cada paciente, uma pequena amostra de CTMs obtidas da gordura do abdômen foi processada para obter um produto específico do paciente. As células-tronco cultivadas foram injetadas sob a pele da face, em uma área próxima à orelha. Quando os pacientes foram submetidos à cirurgia plástica de lifting facial, três a quatro meses depois, os cientistas puderam então remover um fragmento de tecido próximo a área onde as células-tronco foram injetadas para análise. As amostras foram comparadas com áreas não tratadas.
Uma análise estrutural microscópica mostrou que o tratamento com CTMs levou à melhora na estrutura geral da pele. As áreas tratadas mostraram “reversão parcial ou extensa” dos danos causados pelo sol na rede de elastina – a principal estrutura da pele afetada pelo fotoenvelhecimento. Na camada imediatamente abaixo da superfície da pele, as áreas tratadas com células-tronco foram regeneradas pela formação de uma nova rede altamente organizada de feixes de fibras elásticas e remodelação da matriz extracelular da camada dérmica.
Na camada mais profunda da pele, os depósitos “emaranhados, degradados e disfuncionais” de elastina danificada pelo sol foram substituídos por uma rede normal de fibras elásticas. Essas alterações foram acompanhadas por marcadores moleculares dos processos envolvidos na absorção da elastina anormal e no desenvolvimento de nova elastina.
Os resultados sugerem que as células-tronco desencadeiam cada uma das muitas vias de nível celular e molecular envolvidas no reparo e regeneração da pele. Segundo os pesquisadores, o uso das CTMs derivadas de gordura do próprio paciente pode ser uma proposta relevante para a ação antienvelhecimento na regeneração da pele humana fotoenvelhecida.
A equipe salienta que o estudo foi realizado em um número limitado de pacientes e por isso é insuficiente para permitir tirar conclusões abrangentes sobre a segurança do procedimento. No entanto, não foram observados efeitos adversos e os resultados concordam com os relatórios mundiais de segurança de terapias semelhantes. Ainda, os pesquisadores destacam que, sob condições muito bem controladas de manipulação celular, a qualidade das células-tronco derivadas do tecido adiposo pode ser garantida. Tendo isso em vista, comentam sobre a possibilidade de criopreservação destas células, que pode abrir potencial de uso repetido, quando necessário.
Referências
Grabel, A. Photoaging: what you need to know about the other kind of aging. Sun&Skin News (19/01/2019): https://www.skincancer.org/blog/photoaging-what-you-need-to-know/
Stem cell treatments ‘go deep’ to regenerate sun-damaged skin (28/05/2020): https://medicalxpress.com/news/2020-05-stem-cell-treatments-deep-regenerate.html