Células-tronco e diabetes: será possível recuperar a função do pâncreas?

Células-tronco e diabetes: será possível recuperar a função do pâncreas?

Cientistas apostam no potencial de células-tronco para recuperar a função do pâncreas e normalizar a produção de insulina, e já existem empresas investindo pesado no desenvolvimento de novos tratamentos para diabetes usando essa abordagem

Como nós já explicamos aqui no blog, muitos casos de diabetes tipo 2 podem ser controlados com alimentação adequada, prática de exercícios físicos e manutenção de um peso saudável. No entanto, para casos mais avançados de diabetes tipo 2 e casos de diabetes tipo 1, quando o pâncreas perdeu as células beta produtoras de insulina, injeções de insulina são imprescindíveis – sem elas, os pacientes estariam sujeitos a consequências do excesso de açúcar no sangue como disfunção renal, retinopatias, problemas cardíacos, entre outras complicações que podem reduzir drasticamente o tempo e a qualidade de vida.

Embora a descoberta da insulina e o advento da sua produção em escala industrial tenham melhorado significativamente o prognóstico desses pacientes e permitido que muitos consigam controlar sua glicemia de modo satisfatório, existem problemas associados a esse tratamento. O controle dos níveis de açúcar no sangue feito por meio de medições de glicemia e aplicação de injeções de insulina não é perfeito e podem ocorrer, por exemplo, crises de hipoglicemia. Isso pode ser bastante grave, principalmente no caso de pessoas que não conseguem identificar os sintomas da hipoglicemia e agir rapidamente para revertê-la.

Alguns casos mais complicados de diabetes, em que os pacientes frequentemente não conseguem manter uma glicemia adequada mesmo com as injeções regulares de insulina, já foram tratados com transplantes de células beta obtidas do pâncreas de doadores falecidos. Esse procedimento é realizado desde 1990, mas em poucas situações pois, além de haver baixa disponibilidade de doadores, há outros problemas envolvidos. Notadamente, mesmo quando o transplante é realizado com sucesso, os enxertos sobrevivem por relativamente pouco tempo no organismo, oferecendo uma solução apenas temporária para regularizar a produção de insulina.

Tendo em vista essas complicações e as dificuldades e custos de controlar uma doença crônica como o diabetes também nos casos menos graves, cientistas e empresários apostam no uso de células-tronco como uma alternativa que poderia gerar soluções mais definitivas. Diferentes abordagens têm sido pesquisadas nos últimos anos e nós trazemos aqui algumas das iniciativas e resultados mais interessantes que têm potencial para impactar a produção de novos tratamentos.

Melhorando a vascularização dos enxertos

Pesquisadores do Cincinnati Children’s Hospital Medical Center, nos Estados Unidos, Yokohama City University, no Japão, desenvolveram um novo processo de bioengenharia chamado por eles de cultura celular de auto condensação. No estudo, publicado na revista Cell Reports, foram usadas células de órgãos humanos, células de órgãos de camundongos e células-tronco pluripotentes induzidas. O processo de engenharia tecidual usa também mais dois tipos de células: células-tronco mesenquimais e células endoteliais vasculares umbilicais humanas, que foram combinadas ou com as células de órgãos humanos, ou com as células de órgãos de camundongos, ou com as células-tronco pluripotentes induzidas. As células foram associadas a estímulos genéticos e bioquímicos que direcionam a formação de ilhotas pancreáticas. Nas condições de cultivo celular adequadas, esses ingredientes se auto organizaram em ilhotas pancreáticas.

Esses enxertos de ilhotas pancreáticas foram transplantados para modelos animais de diabetes tipo 1, onde rapidamente desenvolveram uma rede vascular que possibilitou que os tecidos funcionassem corretamente como parte do sistema endócrino, secretando hormônios como a insulina e normalizando a glicemia da maior parte dos animais. Enquanto com o uso de técnicas tradicionais a vascularização do tecido transplantado costuma levar pelo menos 7 dias, com a técnica usada nesse trabalho em 3 dias já havia se formado uma vascularização imatura com reperfusão do tecido, que no sétimo dia de medição se tornou uma rede vascular madura. Os autores argumentam que a maior eficiência na formação de vasos sanguíneos a partir da técnica desenvolvida por eles pode aumentar as taxas de sucesso de transplantes de enxertos de tecidos.

Aperfeiçoando métodos para produção de células pancreáticas a partir de células-tronco

A produção de células pancreáticas a partir de células-tronco precisa vencer alguns desafios para ser realizada de maneira eficiente. O processo envolve várias etapas que consomem tempo e recursos, e as células obtidas apresentam uma variabilidade muito alta, o que dificulta a comparação entre diferentes estudos. Por esses motivos, cientistas do Instituto de Biologia Médica A*STAR e Instituto do Genoma, em Cingapura, desenvolveram um método para gerar células progenitoras pancreáticas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas. Essas células progenitoras já estão em um estágio mais avançado de diferenciação, ou seja, são mais parecidas com as células beta produtoras de insulina, mas ainda mantêm alta capacidade de se multiplicar – a estabilidade celular foi mantida mesmo após a população celular ser multiplicada mais de 25 vezes. Elas poderiam otimizar as pesquisas servindo como ponto de partida para a produção das células pancreáticas, diminuindo o número de etapas necessárias para obtê-las.

Os pesquisadores conseguiram obter essas células progenitoras pancreáticas por meio de tentativa e erro, fazendo pequenas mudanças no meio de cultura celular que levavam a resultados diferentes, até que conseguissem a linhagem celular com as características desejadas.

Entendendo as células progenitoras pancreáticas

E se fosse possível regenerar o pâncreas induzindo a produção de células beta a partir de células-tronco presentes no próprio órgão – as células progenitoras pancreáticas? Cientistas do Instituto de Pesquisa de Diabetes da Universidade de Miami deram um passo importante nesse sentido ao confirmar a existência dessas células no pâncreas, identificando a sua localização anatômica exata e validando o seu potencial de se multiplicar e de se diferenciar em células beta produtoras de insulina.

Pesquisadores do Helmoltz Zentrum München, na Alemanha, e da Universidade de Copenhagen conseguiram outro feito importante: eles demonstraram que a exposição das células progenitoras pancreáticas a componentes específicos da matriz extracelular determina o destino final dessas células, direcionando a sua diferenciação. A interação com diferentes componentes da matriz extracelular altera forças mecânicas dentro das células, por meio da interação entre a matriz extracelular e o citoesqueleto celular. Como eles identificaram os componentes responsáveis por essas alterações, seria possível produzir células beta de maneira mais eficiente e econômica.

Para que essa abordagem possa funcionar no caso de pacientes com diabetes tipo 1, no entanto, é necessário desenvolver imunoterapias, de modo que o sistema imune não volte a atacar as novas células beta.

Empresas investem no desenvolvimento de terapias com células-tronco

A grande empresa dinamarquesa Novo Nordisk tem investido em startups de biotecnologia em busca de soluções regenerativas para tratar diabetes e recentemente se associou a pesquisadores da Universidade da Califórnia – São Francisco e da Universidade de Cornell no desenvolvimento de métodos a partir de células-tronco pluripotentes induzidas e dispositivos para encapsular as células produzidas, protegendo-as do sistema imune. Os estudos dessa iniciativa, no entanto, ainda estão em fase pré-clínica. Outras empresas investindo nessa área são a Daiichi Sankyo, a Semma Therapeutics e a Sigilon Therapeutics∕Eli Lilly. Duas empresas já tem estudos em fase clínica: a ViaCyte e a Sernova.

A ViaCyte tem dois produtos sendo testados. Um deles, chamado Encaptra, é um dispositivo que impede que as células do sistema imune ataquem as células beta obtidas a partir de células-tronco. Foi possível formar células produtoras de insulina que se mantiveram viáveis por até dois anos com esse procedimento, mas o sucesso dos implantes foi limitado. A empresa já iniciou estudos com um segundo produto, que não usa dispositivo para impedir o acesso do sistema imune às células e pode ser útil para casos graves ou casos em que o paciente já tenha indicação para uso de imunossupressores, como casos de transplante de rim por exemplo. Em uma iniciativa para tentar solucionar o problema da resposta imune para o desenvolvimento de suas terapias celulares, a ViaCyte se associou à CRISPR Therapeutics para usar a tecnologia de edição genética para proteger as células transplantadas da ação do sistema imune.

A Sernova é uma empresa canadense que iniciou um ensaio clínico em 2018 para testar o produto Cellpouch, um dispositivo pré-vascularizado que nesse estudo é implantado em pacientes diabéticos que não conseguem identificar os sintomas de hipoglicemia. As células pancreáticas são implantadas depois da formação de um tecido vascularizado.


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