Células-tronco podem ser usadas no tratamento da paralisia cerebral por estimularem processos de regeneração, originar células especializadas do sistema nervoso e modular a ação do sistema imune diminuindo a inflamação. Mais estudos controlados são importantes para o desenvolvimento de novas terapias nessa área.
A paralisia cerebral é a deficiência mais comum na primeira infância, acometendo cerca de dois recém-nascidos a cada 1000 e afetando o desenvolvimento motor e⁄ou cognitivo dos pacientes. Ela pode surgir desde o momento da concepção até os dois anos de idade, mas é mais frequente que apareça até o nascimento.
Existe uma variabilidade quanto à apresentação dos sintomas, de acordo com as regiões do cérebro danificadas, sendo possível classificar a paralisia cerebral em diferentes tipos e níveis de severidade. As causas também são variadas. Um exemplo comum é a falta de oxigenação do cérebro, geralmente por alguma complicação durante o parto, e que resulta na morte de células nervosas e lesão no tecido (paralisia cerebral por anóxia perinatal). Outras causas incluem infecções, traumas no momento do parto, e má formações fetais.
O diagnóstico quase sempre é feito vários meses após o nascimento e o tratamento tradicional é paliativo, envolvendo profissionais como neuropediatra, ortopedista e fisioterapeuta. Nesse contexto, existe um grande interesse em pesquisas com células-tronco com o objetivo de desenvolver novos tratamentos que consigam, de fato, reparar o tecido nervoso e recuperar a função motora e⁄ou cognitiva.
Esse interesse vem das propriedades conhecidas dessas células de estimular processos regenerativos, modular a resposta imune e dar origem a tipos celulares especializados, como neurônios. Terapias celulares (com células-tronco ou células progenitoras, já parcialmente diferenciadas) podem ser particularmente eficazes no caso da paralisia cerebral porque o dano no tecido nervoso não é progressivo e envolve um número limitado de tipos de células neurais, além de inflamação do sistema nervoso central. Muitos estudos nessa área já estão na fase clínica, e alguns ensaios clínicos
controlados foram realizados nos últimos anos. Para avaliar a eficácia e a segurança de intervenções terapêuticas com células-tronco em pacientes com paralisia cerebral, um grupo de cientistas australianos fez uma revisão sistemática com meta-análise incluindo ensaios clínicos randomizados e controlados que comparassem o uso de células-tronco com tratamentos tradicionais, ausência de tratamento ou placebo.
Revisões sistemáticas e meta-análises são análises em que os pesquisadores sintetizam toda a evidência disponível sobre uma determinada questão, como o quão eficaz é um tratamento, a partir de outros estudos que tenham usado metodologias aceitas por um critério de inclusão pré-definido. Esse tipo de estudo consegue fornecer evidências mais robustas sobre um efeito e podem contribuir para um consenso científico e médico a respeito de decisões clínicas.
Nessa revisão sistemática com meta-análise os autores consideraram como principal medida a avaliação da função motora, pois esse é o maior prejuízo apresentado pelos pacientes com paralisia cerebral e a melhora nesse aspecto com terapias convencionais é muito pequena. Eles consideraram também, como uma medida secundária, a avaliação da função cognitiva, que ocorre em cerca de metade dos pacientes, e a ocorrência de eventos adversos, que estão relacionados com a segurança do tratamento.
A análise incluiu cinco ensaios clínicos, com um total de 328 participantes com paralisia cerebral. Os tipos de células usadas nas intervenções variaram entre os estudos e metodologia de aplicação. As células do sangue do cordão umbilical foram injetadas na corrente sanguínea, e as células olfativas ensheathing, células-tronco neurais e células progenitoras neurais foram implantadas cirurgicamente no sistema nervoso central (na medula espinhal ou no próprio cérebro).
Foi encontrado um efeito positivo pequeno, mas significativo da terapia celular na função motora. Os autores supõem que o efeito poderia ser maior se os estudos levassem em consideração a idade dos pacientes, pois provavelmente o tratamento seria mais eficaz quando realizado até os cinco anos de idade. Não foram encontrados efeitos da terapia celular na função cognitiva e a análise dos eventos adversos sugere que o risco da intervenção com as terapias celulares usadas é semelhante ao risco de eventos adversos no grupo controle, que não recebeu essas terapias.
Mais estudos controlados e que relatem os efeitos sobre a função cognitiva e detalhem os eventos adversos são necessários para o desenvolvimento dessa possibilidade terapêutica. Os autores concluem com uma série de recomendações para estudos futuros, que incluem considerar o tipo de célula usada no tratamento de acordo com a causa da paralisia cerebral, como células do sangue do cordão umbilical para casos com múltiplas causas, células-tronco neurais para casos associados com lesão cerebral na matéria branca e encefalopatia hipóxico isquêmica, e células-tronco mesenquimais para casos associados com acidente vascular cerebral.
Referências:
Leite J & Prado G. Paralisia Cerebral Aspectos Fisioterapêuticos e Clínicos. Revista Neurociências. 2004.
Novak I et al. Concise Review: Stem Cell Interventions for People With Cerebral Palsy: Systematic Review With Meta-Analysis. Stem Cells Translational Medicine. 2016.
Jantzie L L et al. Stem cells and cell-based therapies for cerebral palsy: a call for rigor. Pediatric Research. 2018.