Células-tronco mesenquimais e doenças autoimunes

Células-tronco mesenquimais e doenças autoimunes

Células-tronco mesenquimais e vesículas extracelulares derivadas dessas células podem regular a ação do sistema imune e têm sido estudadas para o tratamento de diferentes doenças autoimunes como diabetes tipo 1, esclerose múltipla e lúpus.

O nosso sistema imunológico realiza um trabalho incrível e fundamental para a nossa sobrevivência: ele reconhece elementos estranhos ao organismo, identificando moléculas (chamadas antígenos) presentes, por exemplo, em bactérias ou células cancerígenas e gerando uma resposta que, muitas vezes, neutraliza a ameaça. O problema é que, em alguns casos, o sistema imune pode funcionar de maneira inadequada, reconhecendo e reagindo a antígenos presentes nas células do próprio organismo como se eles fossem “invasores”. Essa reação gera inflamação e dano nos tecidos e pode levar ao desenvolvimento de uma doença autoimune.

Existem mais de 100 doenças identificadas como doenças autoimunes e estima-se que elas atinjam pelo menos entre 2 e 5% da população, sendo mais frequentes em mulheres. Alguns exemplos mais comuns incluem artrite reumatoide, diabetes tipo 1 e lúpus eritematoso sistêmico. Os sintomas variam bastante dependendo da doença e da parte do corpo afetada, e mesmo dentro de uma mesma doença. Na maioria dos casos, as doenças autoimunes são crônicas e o tratamento é feito com medicamentos que suprimem a ação do sistema imunológico (imunossupressores). As terapias tradicionais, no entanto, têm uma eficiência limitada e, muitas vezes, estão associadas a efeitos colaterais em longo prazo e, por isso, existe a necessidade de pesquisas para novas abordagens terapêuticas.

As células-tronco mesenquimais têm sido estudadas em ensaios clínicos como uma possibilidade de tratamento para algumas doenças autoimunes como diabetes tipo 1, esclerose múltipla e doença de Crohn, entre outras. Elas têm uma ação reguladora sobre a resposta imunológica, alterando a atividade de diferentes células do sistema imune.

No caso da esclerose múltipla, por exemplo, foram publicados resultados de ensaios clínicos fase 1 e fase 2 em que o transplante de células-tronco mesenquimais se mostrou seguro. Em geral, também foram observados efeitos clínicos benéficos, como efeitos imunomoduladores e melhora da função visual.

Transplantar as células-tronco mesenquimais para o organismo, no entanto, não é a única forma de se utilizar essas células para o desenvolvimento de novas terapias. Mais recentemente, uma outra possibilidade tem despertado o interesse dos cientistas e profissionais da saúde: o uso de vesículas extracelulares produzidas por essas células. Vesículas extracelulares são pequenas bolsas secretadas pelas células (muito pequenas mesmo – da ordem de um milhão de vezes menor que um metro). As células-tronco mesenquimais podem secretar alguns tipos diferentes de vesículas extracelulares, que contêm diversas moléculas. Algumas evidências recentes indicam que, pelo menos em parte, as propriedades imunomoduladoras das células-tronco mesenquimais se devem à secreção das vesículas extracelulares.

Estudos pré-clínicos com vesículas extracelulares derivadas de células-tronco mesenquimais em modelos de doenças como artrite, lúpus, esclerose múltipla e uveíte mostraram resultados benéficos dessa intervenção. São estágios ainda iniciais de pesquisa, mas essa nova modalidade de tratamento pode ter algumas vantagens em relação ao uso das células, principalmente considerando-se a necessidade de produção industrial em larga escala.

Células-tronco mesenquimais originárias de diferentes tecidos possuem diferentes potenciais de diferenciação e propriedades de regulação do sistema imune. As fontes dessas células mais estudadas são a medula óssea, o tecido adiposo e o cordão umbilical, mas elas também podem ser isoladas a partir da polpa dos dentes, da gengiva, do timo, entre outros tecidos. Não existem estudos avaliando sistematicamente as propriedades imunomoduladoras das células obtidas a partir dessas diferentes fontes. Sabemos também que a idade pode influenciar as características dessas células, bem como os procedimentos usados para isolamento, cultivo em laboratório, proliferação, criopreservação, dose administrada, frequência de injeção e modo de aplicação (local ou sistêmico), entre outros fatores.

Além de compreender melhor os mecanismos moleculares envolvidos na interação entre as células-tronco mesenquimais e as células do sistema imune, mais estudos são necessários para que sejam estabelecidos procedimentos consistentes para a obtenção de resultados clínicos mais robustos.

Referências

Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes – Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

Rad F et al. Mesenchymal stem cell-based therapy for autoimune diseases: emerging roles of extracelular vesicles. Molecular Biology Reports. 2019.

Gao F et al. Mesenchymal stem cells and immunomodulation: current status and future prospects. Cell Death & Disease. 2016.


Anterior: Descoberta relacionada a células-tronco hematopoiéticas abre novas perspectivas para tratamento de doenças do sangue Próximo: Grupo internacional de especialistas elabora nova ferramenta para a comunicação de terapias celulares