Estudo abre nova possibilidade para regeneração do tecido nervoso periférico utilizando células-tronco da polpa do dente e engenharia tecidual
Uma lesão no tecido nervoso periférico pode comprometer muito a qualidade de vida de uma pessoa, levando a dificuldades como perda de sensibilidade sensorial e da capacidade de gerar movimentos. Embora a regeneração do tecido nervoso periférico possa ocorrer de maneira espontânea, esse processo, na maioria dos casos, não é eficiente. Especialmente no caso de lesões que envolvem a ruptura do nervo com formação de uma lacuna mais extensa entre as duas extremidades, uma intervenção cirúrgica é indicada.
Por que uma lesão no tecido nervoso periférico pode ser tão debilitante, e como as células-tronco da polpa do dente, associadas à engenharia tecidual, podem ajudar na recuperação dos pacientes?
O sistema nervoso periférico é composto por nervos e gânglios que conectam o sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) a membros e órgãos, fazendo a interface entre o sistema nervoso central e o processamento dos estímulos sensoriais e comandos motores. A comunicação entre diferentes regiões do sistema nervoso se dá por meio de neurônios, que utilizam neurotransmissores e sinais elétricos para trocar informações entre si. Os sinais elétricos percorrem projeções dos neurônios denominadas axônios, e os nervos periféricos são compostos por axônios, células de Schwann e tecido conjuntivo. Quando os nervos periféricos sofrem uma lesão, essa comunicação é interrompida.
As células de Schwann formam a bainha de mielina, que tem um papel importante para isolar eletricamente os axônios e, assim, permitir uma melhor condução dos sinais elétricos. A proliferação dessas células ocorre naturalmente após uma lesão e elas, além de também proverem suporte para o crescimento dos neurônios, liberam substâncias que atraem os axônios, guiando o crescimento. Uma estratégia eficiente para o tratamento de lesões no tecido nervoso periférico é, portanto, aumentar o número de células de Schwann no local lesionado. É aí que entra o uso das células-tronco da polpa do dente.
Em 2014, pela primeira vez, cientistas da Hasselt University demonstraram a capacidade das células-tronco da polpa do dente humano de se diferenciar em células de Schwann e suportar o crescimento neural in vitro, ou seja, em um meio de cultura fora do organismo. Agora, em um estudo publicado no início de 2017, esses cientistas, em colaboração com pesquisadores da University College London, avaliaram pela primeira vez o desempenho das células-tronco da polpa do dente humano in vivo, em ratos com lesão no tecido nervoso periférico.
Em um primeiro momento, eles avaliaram, in vitro, a capacidade angiogênica (de formar vasos sanguíneos) das células-tronco da polpa do dente após serem diferenciadas em células de Schwann. Isso é importante pois, para que a regeneração ocorra no organismo, é necessário que haja uma boa circulação sanguínea. Em seguida, foi realizado um procedimento de engenharia tecidual, em que as células foram cultivadas em hidrogel até que ocorresse o auto alinhamento celular; os géis foram, então, estabilizados por compressão e colocados em condutos. Em um dos grupos experimentais, esses condutos foram transplantados para ratos adultos com uma lesão que formava uma lacuna de 15mm no nervo ciático. Em um segundo grupo experimental, foi utilizado um conduto vazio e, em outro, um enxerto alogênico, ou seja, obtido de um indivíduo diferente.
O resultado mais promissor do estudo foi a boa capacidade angiogênica das células de Schwann diferenciadas a partir das células-tronco da polpa do dente, tanto in vitro como in vivo; in vivo, a vascularização na região da lesão foi semelhante à vascularização no grupo que recebeu o enxerto alogênico, e maior com o uso do conduto preenchido com o tecido produzido por engenharia tecidual do que com o uso do conduto vazio. Além disso, houve resultados promissores em termos do crescimento neuronal: embora, em comparação com o grupo que recebeu o enxerto alogênico, um número menor de projeções neurais tenha alcançado distâncias maiores, em distâncias menores o crescimento neuronal foi comparável.
A possibilidade de usar células-tronco da polpa do dente para a regeneração do tecido nervoso periférico é interessante porque essas células oferecem algumas vantagens em relação a outras fontes celulares. Em primeiro lugar, elas são de fácil acesso, pois podem ser obtidas a partir de dentes que seriam descartados, como dentes de leite e dentes que seriam extraídos em procedimentos odontológicos realizados por outros motivos. Essas células têm, também, uma grande capacidade de proliferação, permitindo, portanto, a geração de um maior número de células do que seria possível obter pelo transplante direto de células de Schwann retiradas de outra região do corpo do próprio paciente ou de um outro doador – sem contar que, com o uso das células-tronco, não é necessário realizar uma cirurgia para a obtenção de células de Schwann, diminuindo custos e efeitos adversos que uma cirurgia adicional podem ocasionar.
Esse estudo mostrou efeitos positivos do uso conjunto das células-tronco da polpa do dente humano diferenciadas em células de Schwann e de engenharia tecidual, indicando que essa pode ser uma nova abordagem para o tratamento de lesões no tecido nervoso periférico. É necessária, ainda, a realização de mais estudos para, por exemplo, ajustar as células e o ambiente da lesão para aprimorar a capacidade das projeções neuronais de alcançar distâncias maiores. Além disso, somente após mais estudos utilizando modelos animais, como esse, e com bons resultados, podem começar a ser realizados estudos com seres humanos para testar a segurança e a eficácia de um tratamento que utilize essa técnica.
Referência:
Sanen K, Martens W, Georgiou M, Ameloot M, Lambrichts I, Phillips J. Engineered neural
tissue with Schwann cell differentiated human dental pulp stem cells: potential for
peripheral nerve repair? Journal of Tissue Engineering and Regenerative Medicine. 2017.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/term.2249/abstract