Cientistas israelenses apresentaram um minicoração totalmente personalizado produzido por impressão 3D. É a primeira vez que o órgão é produzido por meio de bioimpressão utilizando matéria-prima exclusivamente autóloga e contendo os principais vasos sanguíneos. Uma equipe de pesquisadores brasileiros também caminha a passos largos rumo a imprimir um coração totalmente funcional.
Falamos recentemente aqui no blog sobre um método inovador desenvolvido por cientistas israelenses para a obtenção de implantes totalmente personalizados, nos quais tanto as células-tronco quanto o biomaterial utilizado de suporte para que elas cresçam são provenientes do próprio paciente. A grande vantagem da técnica é reduzir drasticamente o risco de rejeição de órgãos ou tecidos transplantados, já que o implante é fabricado a partir de materiais de origem exclusivamente autóloga. Há alguns dias, o mesmo grupo de cientistas impressionou o mundo ao apresentar um minicoração personalizado, fabricado por meio de impressão 3D.
O órgão foi produzido seguindo a técnica desenvolvida previamente pela equipe: pequenos tecidos de gordura foram obtidos através de biópsias realizadas em pacientes e, enquanto as células foram reprogramadas para se tornar células-tronco pluripotente induzidas (iPSCs), a parte acelular – chamada matriz extracelular – foi processada para se obter um biomaterial na forma de hidrogel (rede tridimensional de macromoléculas, altamente hidratada). Cardiomiócitos (células musculares cardíacas) e células endoteliais (células presentes na superfície interna dos vasos sanguíneos) foram derivados das iPSCs e então misturados ao hidrogel. Dessa forma, a equipe obteve dois tipos de “biotinta”, utilizados para alimentar a impressora 3D e imprimir o coração (relembre no nosso texto sobre impressão 3D as peculiaridades desta técnica). O gel contendo cardiomiócitos foi usado para imprimir o tecido cardíaco, enquanto o gel contendo células endoteliais foi usado para construir a rede vascular do órgão.
No entanto, imprimir um órgão, mesmo que em escala miniaturizada, não é nada trivial. Os cientistas começaram imprimindo algo mais simples: uma estrutura de geometria plana (como uma folha de papel, mas bem mais espessa) chamada patch. O patch cardíaco é o equivalente a um “remendo” e pode ser usado para regenerar áreas específicas do coração, ao invés do órgão completo. Neste caso, a equipe obteve um modelo anatômico do coração humano por meio de imagens de tomografia computadorizada e focou na região do ventrículo esquerdo para construir um patch personalizado. Como as imagens de tomografia revelam apenas os vasos sanguíneos maiores, a equipe contou com a ajuda de equações matemáticas e um programa de computador para construir a rede vascular completa da área designada. Assim, obtiveram um modelo 3D do patch cardíaco a ser impresso. Utilizando as biotintas previamente preparadas, a impressão do patch seguindo o modelo 3D construído foi bem-sucedida. Os vasos sanguíneos embutidos na estrutura foram capazes de suportar fluxo de líquidos (perfusão) sem vazamentos.
Com o sucesso da etapa inicial, os cientistas passaram efetivamente para as tentativas de imprimir o minicoração. Observaram que seria necessário imprimir o miniórgão em um material suporte, pois a estrutura não seria capaz de se auto sustentar durante o processo de impressão. Logo, uma parte do estudo foi dedicada a criar um gel bastante viscoso que servisse de suporte para o coração durante a impressão, mas que pudesse ser facilmente removido ao fim do processo. Conseguiram obter este material misturando polímeros naturais como o alginato (polímero extraído de algas marrons) e a xantana (polímero obtido por processos fermentativos), entre outros compostos.
Utilizando as biotintas preparadas com células derivadas de iPSCs, um modelo anatômico virtual do coração humano em três dimensões, e o gel polimérico de suporte, foi possível imprimir um mini coração com arquitetura compatível com a natural do órgão humano. Os pesquisadores vislumbram aplicações futuras dos órgãos impressos como substitutos para órgãos naturais cujas funções estão comprometidas, reduzindo as filas de espera por doadores de órgãos. Outra potencial aplicação é como modelos para testes de medicamentos, eliminando a necessidade de testes em animais e ainda reproduzindo de maneira mais fiel a anatomia humana, com a vantagem de possibilitar testes personalizados para verificar a resposta de cada paciente a um determinado agente terapêutico.
Apesar de os resultados do estudo já serem bastante impressionantes, um longo caminho ainda deve ser percorrido até que um órgão totalmente funcional possa ser impresso. O time de cientistas israelenses afirma que muitos desafios ainda devem ser superados, incluindo: 1) encontrar uma forma de expandir as iPSCs até atingir a quantidade necessária para reconstruir um órgão humano inteiro; 2) desenvolver novas estratégias para incorporar uma rede mais complexa de vasos sanguíneos no órgão, mesmo que a estrutura seja bastante densa e espessa; 3) cultivar o órgão em laboratório por tempo suficiente para que ele “aprenda” a desempenhar suas funções biológicas (no caso do coração, realizar contrações coordenadas a fim de bombear o sangue pelo corpo).
Uma equipe de pesquisadores do Instituto do Coração, vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor – HCFMUSP) e em conjunto com a start-up Tissue Labs está desenvolvendo hidrogéis para uso como biotinta na impressão de corações. A start-up fundada há poucos meses já oferece três produtos para uso no cultivo celular, dentre eles o MatriXpecTM 3D, um hidrogel desenvolvido especialmente para fornecer um microambiente tridimensional para o cultivo celular. O hidrogel tem como “matéria-prima” a matriz extracelular de tecidos que passam pelo processo de descelularização e pode ser obtido a partir de tecidos específicos. Não só o coração, mas outros órgãos podem ser impressos utilizando este material. Vamos aguardar ansiosos pelas novidades do time brasileiro!