Pesquisa, realizada em camundongos, tem o objetivo de tornar mais seguro o transplante de células-tronco hematopoiéticas, possibilitando o transplante dessas células e de órgãos mesmo sem compatibilidade imunológica entre indivíduo doador e receptor e sem necessidade de quimioterapia, radioterapia ou imunossupressores.
O transplante de células-tronco hematopoiéticas tem potencial para curar diversas doenças malignas e não malignas do sangue e doenças imunes, pois essas células dão origem às células sanguíneas e do sistema imunológico. Esse procedimento é realizado há mais de 60 anos e já tratou mais de um milhão de pacientes, mas estima-se que menos de 25% dos pacientes que poderiam se beneficiar desse tratamento recebem um transplante.
Os principais fatores limitantes dessa abordagem terapêutica são os efeitos negativos da quimioterapia e radioterapia que precisam ser realizadas previamente e complicações relacionadas com a incompatibilidade imunológica, notadamente o risco de desenvolvimento de doença enxerto contra hospedeiro, em que células da linhagem imune transplantadas atacam os tecidos do corpo do receptor. Por isso, o transplante de células-tronco hematopoiéticas é, atualmente, usado como tratamento de primeira linha apenas em casos graves que coloquem em risco a vida do paciente.
Pesquisadores da Universidade de Stanford e colaboradores têm estudado uma alternativa que pode resolver esses problemas e tornar esse tipo de transplante mais seguro: uma combinação de anticorpos que prepara o organismo para aceitar células-tronco hematopoiéticas de um doador – mesmo que esse doador não seja imunologicamente compatível com o receptor.
O tratamento com anticorpos desenvolvido pelo grupo de cientistas elimina as células-tronco hematopoiéticas dos camundongos receptores de maneira mais específica, aumentando muito as possibilidades de que esse procedimento seja realizado sem que ocorram efeitos colaterais graves. Em seu estudo mais recente, eles demonstraram que o uso de seis anticorpos permite que os animais recebam um transplante de células-tronco hematopoiéticas de um doador que seja parcialmente ou totalmente incompatível imunologicamente.
Após esse preparo com um conjunto apropriado de anticorpos e o transplante de células-tronco hematopoiéticas, os camundongos adquirem uma tolerância imunológica para receber órgãos do doador – nos trabalhos publicados este ano pelo grupo de pesquisadores, foram realizados com sucesso transplantes de enxerto de pele e de tecido cardíaco. Esse procedimento elimina a necessidade do uso de imunossupressores, que têm efeitos colaterais indesejados como o aumento do risco de infecções.
Se os resultados obtidos nos estudos com os modelos animais forem replicados em estudos com seres humanos e o procedimento se mostrar seguro e eficaz, o transplante de células-tronco hematopoiéticas e de órgãos poderá ser facilitado, com aumento da possibilidade de encontrar doadores. Além disso, o tratamento com células-tronco hematopoiéticas pode se tornar menos arriscado e ser adotado em uma gama maior de condições, como talassemia e doenças autoimunes.
Os cientistas também estudam a possibilidade de desenvolver em laboratório, a partir de células-tronco pluripotentes, tanto células-tronco hematopoiéticas como órgãos que poderiam ser usados em transplantes. A ideia é que, no futuro, um paciente que precisasse de um órgão pudesse passar, primeiro, por um transplante de células-tronco hematopoiéticas geradas a partir dessas células e, em seguida, recebesse o órgão fabricado em laboratório, tudo isso sem necessidade de quimioterapia, radioterapia ou imunossupressores.
Referências
Stanford Medicine News Center – Antibody treatment allows transplant of mismatched stem cells, tissues in mice. 2019.
George BM et al. Antibody conditioning enables MHC-mismatched hematopoietic stem cell transplant and organ graft tolerance. Cell Stem Cell. 2019.
Stanford Medicine News Center – Antibody-drug combo may obviate need for tissue-matching in organ transplant. 2019.
Czechowicz A et al. Selective hematopoietic stem cell ablation using CD117-antibody-drug-conjugates enables safe and effective transplantation with immunity preservation. Nature Communications. 2019.
Li Z et al. Hematopoietic chimerism and donor-specific skin allograft tolerance after non-genotoxic CD117 antibody-drug-conjugate conditioning in MHC-mismatched allotransplantation. Nature Communications. 2019.