Competição celular afeta o uso de células-tronco na medicina regenerativa

Competição celular afeta o uso de células-tronco na medicina regenerativa

Cientistas da Universidade de Toronto descobriram que algumas células são mais predispostas do que outras a passar pelo processo de reprogramação que origina células-tronco pluripotentes induzidas. A compreensão dos mecanismos envolvidos nesse fenômeno tem implicações importantes para o desenvolvimento de novas estratégias e tecnologias na medicina regenerativa.

Em 2006, pesquisadores japoneses descobriram que células especializadas do organismo adulto poderiam ser reprogramadas para um estado de pluripotência semelhante ao de células-tronco embrionárias, que podem se dividir indefinidamente e se diferenciar em qualquer tipo celular do corpo. Essas células reprogramadas, conhecidas como células-tronco pluripotentes induzidas, são de grande interesse para a medicina regenerativa, pois abrem a possibilidade de se produzir em laboratório células como neurônios para tratar doenças neurodegenerativas ou células do pâncreas para tratar diabetes, além de se criar modelos celulares e teciduais para tornar o teste de medicamentos mais eficiente.

Durante o processo de reprogramação, as células passam por uma série de transformações bioquímicas e epigenéticas, e passam a produzir grandes quantidades de quatro fatores de transcrição conhecidos como “fatores de Yamanaka” (nome do pesquisador que recebeu o prêmio Nobel pela descoberta): Oct4, Klf4, Sox2 e c-Myc. Esse processo demora cerca de um mês, período em que ocorrem dezenas de divisões celulares.

Uma questão importante para o uso dessa técnica em novas aplicações da medicina regenerativa é se todas as células têm o mesmo potencial para ser reprogramadas, ou se algumas células são mais adequadas do que outras – e, nesse caso, quais características celulares fazem com que elas sejam mais propensas a ser reprogramadas.

Pesquisadores da Universidade de Toronto examinaram essa questão usando fibroblastos de camundongos que foram rastreados durante todo o processo de reprogramação usando uma espécie de código de barras no DNA das células. Quando elas se dividiam, esse código de barras era passado para as células filhas, de modo que eles puderam saber quais células iniciais deram origem à população de células presente no final no processo de reprogramação.

O que eles descobriram foi que, de uma população inicial de milhares de células, apenas algumas dominaram a população final de células-tronco pluripotentes induzidas. Essas células foram consideradas mais propensas a passar pelo processo de reprogramação e são chamadas pelos pesquisadores de “clones de elite”. Eles usaram modelos computacionais para entender melhor essa dinâmica de interação entre as células e chegaram à conclusão que, no oitavo dia, os clones de elite já dominavam a população de células.

A hipótese do grupo é que os clones de elite são células derivadas de uma estrutura embrionária chamada crista neural, devido a uma série de características dessas células: elas são multipotentes, têm grande capacidade de migrar e se proliferar, e já expressam três dos quatro fatores de Yamanaka. Além disso, elas exibem um outro marcador importante, chamado Wnt1, que, de acordo com os resultados desse trabalho, está presente nas células mais propensas a passar pelo processo de reprogramação.

Se as conclusões dessa pesquisa forem confirmadas, duas abordagens diferentes podem ser usadas para aumentar a eficiência da produção de células-tronco pluripotentes induzidas e a previsibilidade das aplicações dessas células: pode-se editar o genoma das células para que elas sejam mais propensas a ser reprogramadas, ou filtrar a população inicial de células para selecionar aquelas mais propensas para passar pelo processo de reprogramação.

Referências:

Dai, Q. Not all stem cells are created equal, study reveals. Phys.org. 2019.

Shakiba et a. Cell competition during reprogramming gives rise to dominant clones. Science. 2019.

Wolff, S, Purvis, JE. Reprogramming favors the elite. Science. 2019.


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