Células-tronco no tratamento da doença de Pelizaeus-Merzbacher

Células-tronco no tratamento da doença de Pelizaeus-Merzbacher

Dois estudos publicados recentemente utilizam células-tronco na busca por novos tratamentos para a doença de Pelizaeus-Merzbacher – em um dos estudos, células-tronco pluripotentes induzidas foram usadas para compreender melhor os mecanismos envolvidos e investigar uma nova terapia; no outro estudo, células-tronco neurais foram transplantadas em pacientes com o objetivo de restaurar a sua função neural

A doença de Pelizaeus-Merzbacher é uma doença genética rara, que atinge uma pessoa a cada 400 mil – geralmente indivíduos do sexo masculino, pois é ligada ao cromossomo X. O gene alterado, PLP1, tem uma atividade importante para a formação da bainha de mielina, que envolve as células do sistema nervoso e permite uma comunicação eficiente por facilitar a passagem dos sinais elétricos. Os mecanismos pelos quais a formação da bainha de mielina é prejudicada nos pacientes não são completamente compreendidos e, até o momento, não existe uma terapia capaz de restaurar a sua presença.

Cientistas da Universidade da Califórnia São Francisco, da Universidade de Stanford e da Universidade de Cambridge têm utilizado células-tronco na busca por novos tratamentos para a doença de Pelizaeus-Merzbacher e publicaram, recentemente, dois estudos nas revistas Cell Stem Cell e Stem Cell Reports com resultados que trazem contribuições importantes para a área.

No estudo que foi publicado na revista Cell Stem Cell, os pesquisadores usaram células-tronco para elucidar os mecanismos envolvidos na doença e para testar uma possível terapia. Estudos anteriores, realizados em modelos animais, indicaram que os oligodendrócitos, células formadoras da bainha de mielina no sistema nervoso central, tinham sua sobrevivência prejudicada em indivíduos com a mutação PLP1. Esses resultados já haviam sido confirmados, também, em modelos celulares humanos de oligodendrócitos produzidos a partir de células-tronco pluripotentes induzidas de pacientes. Com base nesses achados, o grupo utilizou células-tronco pluripotentes induzidas derivadas a partir de células da pele dos pacientes, e também controles que tiveram a mutação no PLP1 corrigida, para investigar as consequências biológicas da mutação que levam ao prejuízo da função dos oligodendrócitos e∕ou da formação da bainha de mielina.

Os autores descobriram que uma desregulação no metabolismo de ferro está relacionada com a apoptose (morte celular programada) dos oligodendrócitos, e uma sensibilidade exacerbada aos íons de ferro desencadeia processos que levam à morte celular. Além disso, eles verificaram também que agentes quelantes de ferro, que “sequestram” esses íons e formam compostos que podem ser eliminados pelo organismo, podem beneficiar a função de algumas linhagens celulares. Esses experimentos foram feitos tanto em cultura com tecidos humanos como in vivo, em camundongos, com uso de um medicamento quelante aprovado pela agência regulatória americana (FDA), chamado deferiprona. É necessário realizar mais estudos para confirmar se essa poderia ser uma terapia segura e eficaz e, também, para otimizar fatores importantes como a dose apropriada, o momento adequado para o tratamento, e os efeitos de longo prazo, entre outros. Essa abordagem pode, também, ser investigada como terapia para outras condições que envolvam acúmulo de ferro no cérebro, como esclerose múltipla e algumas doenças neurodegenerativas.

No artigo publicado na revista Stem Cell Reports, são relatados os efeitos de longo prazo do primeiro estudo a transplantar células-tronco neurais diretamente no cérebro de pacientes com doença de Pelizaeus-Merzbacher, conduzido em 2010. As células utilizadas foram produzidas pela empresa Stem Cells Inc., que também forneceu apoio financeiro para o estudo. O ensaio clínico teve a participação de quatro crianças do sexo masculino com menos de cinco anos de idade e tinha como objetivo testar a segurança do procedimento e, também, avaliar, por meio de exames de imagem do cérebro, indícios de que os transplantes possam melhorar a mielinização do sistema nervoso.

Após cinco anos de acompanhamento dos pacientes, os pesquisadores observaram que não houve eventos adversos graves que estivessem relacionados com o implante das células-tronco neurais e, também, verificaram sinais nos exames de imagem que são consistentes com uma melhora na mielinização nas regiões que receberam o implante de células em dois dos pacientes tratados (resultados que reproduzem achados anteriores em experimentos conduzidos em modelos animais). No entanto, esses sinais podem ser explicados também por outros fatores, como inflamação ou aumento no número de axônios, e podem estar relacionados com a evolução natural da doença e com o processo de maturação do cérebro. Além disso, dois dos pacientes apresentaram sinais de resposta imune ao transplante, indicando que essa abordagem pode requerer terapias de imunossupressão ou o desenvolvimento de novas soluções que evitem essa resposta imune.

Referências

Weiler, N. Stem Cell Studies Offer Hope for Childhood Neurological Condition. University of California San Francisco. 2019.

Orpha.net – Doença de Pelizaeus-Merzbacher

Nobuta, H et al. Oligodendrocyte Death in Pelizaeus-Merzbacher Disease is Rescued by Iron Chelation. Cell Stem Cell. 2019.

Gupta, N et al. Long-Term Safety, Immunologic Response, and Imaging Outcomes following Neural Stem Cell Transplantation for Pelizaeus-Merzbacher Disease. Stem Cell Reports. 2019.


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