Utilizando dispositivos de microfluídica, pesquisadores da Universidade de Harvard, em colaboração com outras instituições, foram capazes de realizar a encapsulação de células-tronco mesenquimais em microgéis. As células foram encapsuladas individualmente em pequenas gotículas do gel e, quando injetadas em camundongos, apresentaram viabilidade prolongada, não ativaram resposta imunológica e preservaram seus efeitos terapêuticos.
Terapias com células-tronco mesenquimais têm se mostrado promissoras para o tratamento de uma série de condições, especialmente de doenças autoimunes, como vimos aqui no blog. Estas células possuem um efeito chamado imunomodulador, o que significa que elas possuem uma ação reguladora sobre a resposta imunológica, alterando a atividade de diferentes células do sistema imune. Por isso, as células-tronco mesenquimais têm sido cada vez mais estudadas, no entanto, em muitos casos, os resultados positivos de estudos pré-clínicos acabam não se confirmando em estudos clínicos. Dentre os motivos para este insucesso estão as grandes dosagens exigidas, o curto tempo de permanência de células viáveis no organismo e rejeição imunológica. Já explicamos em um artigo publicado anteriormente no blog sobre estas limitações relacionadas ao transplante de células-tronco mesenquimais, e discutimos sobre novas tecnologias de bioengenharia que vêm surgindo para superá-las. Estas tecnologias envolvem a encapsulação das células-tronco mesenquimais em hidrogéis, a fim de protegê-las e garantir que cheguem “em segurança” ao local onde devem atuar. O hidrogel pode mantê-las a salvo de danos físicos e também de ataques do sistema imune.
No entanto, os hidrogéis geralmente desenvolvidos para encapsular células são volumosos, o que inviabiliza sua administração intravenosa, que seria a via de administração preferível clinicamente. Para resolver este problema, cientistas vêm desenvolvendo hidrogéis para encapsulação de células individuais por técnicas de microfluídica. Já falamos aqui no blog sobre a encapsulação de células em microgéis. Estas técnicas de encapsulação célula a célula já foram consolidadas por diferentes equipes de pesquisadores, mas seus benefícios terapêuticos ainda não haviam sido demonstrados com células-tronco.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Harvard liderados pelo Prof. Dr. David Mooney, em colaboração com o Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), a Universidade de Illinois em Chicago, nos EUA, e com a Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, desenvolveram um sistema microfluídico capaz de encapsular células-tronco mesenquimais e conseguiram fazer com que as células preservassem seu efeito imunomodulador, apresentassem viabilidade prolongada e fossem protegidas do sistema imune quando injetadas em camundongos.
Um dispositivo microfluídico foi usado para encapsular células vivas individuais com uma fina camada de um hidrogel à base de alginato, criando os chamados microgéis. O processo encapsula células com 90% de eficiência, e os microgéis resultantes são pequenos o suficiente para que possam ser administrados por via intravenosa, ao contrário dos volumosos hidrogéis criados por outros métodos. Quando injetadas em camundongos, as células-tronco mesenquimais encapsuladas usando esta técnica permaneceram nos pulmões dos animais por um tempo dez vezes mais longo que aquelas que não foram encapsuladas, e permaneceram viáveis por até três dias. Um ponto muito interessante para aplicações clínicas é que células encapsuladas podem ser congeladas e descongeladas com impacto mínimo no desempenho das células, o que é crítico no contexto de hospitais e outros centros de tratamento.
Como o apelo clínico das células-tronco mesenquimais reside em seu efeito imunomodulador, os pesquisadores precisaram testar como o encapsulamento em microgel afetaria a capacidade destas células de desempenhar suas funções e resistir ao ataque imune. Eles modificaram o microgel de alginato original adicionando outro composto que faz ligações cruzadas com o alginato e torna o microgel mais rígido e mais capaz de resistir ao sistema imunológico. O composto utilizado para aumentar a rigidez do microgel foi a polilisina, um polímero formado pelo aminoácido lisina. Além desta modificação no hidrogel, os pesquisadores também cultivaram as células-tronco mesenquimais após o encapsulamento, para incentivá-las a se proliferar e produzir mais células. Quando esses novos microgéis foram injetados em camundongos, sua persistência no organismo, ou seja, o tempo em que permaneceram viáveis, aumentou cinco vezes em relação ao microgel original, e uma ordem de grandeza em relação às células-tronco mesenquimais não encapsuladas.
Para induzir uma resposta imune contra as células-tronco mesenquimais, a equipe incubou células encapsuladas em um meio contendo soro fetal bovino, que é reconhecido pelo organismo como estranho, antes de introduzi-las em camundongos. Embora a taxa de depuração (eliminação do organismo) das células encapsuladas tenha sido maior que a observada sem ativação imunológica, ela ainda era cinco vezes menor que a das células não encapsuladas.
As células-tronco mesenquimais expostas a citocinas inflamatórias respondem aumentando sua expressão de genes e proteínas imunomoduladoras, logo, os pesquisadores testaram se o encapsulamento em seus microgéis impactaria essa resposta. Eles descobriram que as células encapsuladas e não encapsuladas tinham níveis comparáveis de expressão gênica quando expostas às mesmas citocinas, demonstrando que os microgéis não prejudicaram o desempenho das células-tronco.
Por fim, a equipe injetou os microgéis contendo células-tronco mesenquimais em camundongos juntamente com medula óssea transplantada, sendo que metade das células da medula era compatível com o camundongo receptor e metade delas era alogênica, isto é, apresentavam uma incompatibilidade imunológica. Os camundongos que receberam as células-tronco mesenquimais encapsuladas tiveram mais do que o dobro da fração de células da medula óssea alogênica em sua medula e sangue após nove dias, em comparação com os camundongos que não receberam células encapsuladas em conjunto com o transplante. Além disso, as células encapsuladas também levaram a um maior número de células de medula alogênicas se integrando à medula óssea do hospedeiro, em comparação com as células não encapsuladas.
Segundo o Prof. Dr. Mooney, que conduziu a pesquisa, esta tecnologia complementa abordagens de engenharia genética e pode ser mais eficiente para aumentar a persistência de células no organismo no caso de transplantes. O projeto está sendo apoiado pelo Wyss Institute, da Universidade de Harvard, e o próximo passo é testar um possível tratamento para a isquemia (estreitamento dos vasos sanguíneos) em pacientes humanos, com a expectativa de demonstrar sua viabilidade clínica em um futuro próximo.
Referências
https://medicalxpress.com/news/2019-07-transplanted-stem-cells-jobs.html