Através de uma modificação no genoma, as células-tronco passaram a funcionar como um sistema que libera moléculas anti-inflamatórias de forma regulada
Doenças inflamatórias crônicas, como artrite, tireoidite e psoríase, por exemplo, atingem milhares de pessoas no mundo todo. Estas doenças são resultado de uma atividade anormal do sistema imune, que ataca as células do próprio corpo e induz a produção de uma série de moléculas que levam à inflamação do tecido (chamadas de citocinas pró-inflamatórias).
Uma das formas de tratamento para algumas destas doenças é o uso de medicamentos que inibem estas citocinas pró-inflamatórias. Porém, embora relacionadas à inflamação, estas mesmas moléculas têm outros papéis importantes no organismo e, portanto, sua inibição pode prejudicar o funcionamento de órgãos e tecidos, podendo, por exemplo, interferir com regeneração tecidual e a própria resposta imune. Assim, esses medicamentos podem apresentar vários efeitos colaterais e seu uso contínuo pode ter uma série de consequências prejudiciais.
Visando, portanto, criar um sistema que seja capaz de inibir estas citocinas pró-inflamatórias, porém de forma controlada, cientistas da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, realizaram uma modificação genética em células-tronco para que estas pudessem liberar fatores capazes de inibir as citocinas, mas apenas quando estas moléculas estivessem sendo produzidas em excesso.
Os cientistas inseriram no genoma das células-tronco genes que produzem moléculas capazes de inibir o TNF-alfa e o IL-1, duas citocinas pró-inflamatórias. Mas, como mencionado, era importante que a produção dessas moléculas inibitórias fosse controlada. Para isso, eles usaram a ferramenta de edição genômica CRISPR-Cas9, um sistema que é capaz de editar o genoma no lugar preciso de interesse. E esta foi a grande sacada do estudo: usando o sistema CRISPR-Cas9, eles inseriram os genes produtores das moléculas inibitórias exatamente após o promotor de um gene cuja ativação é controlada pelos níveis de TNF-alfa ou IL-1 presentes no meio.
Explicando melhor: para todos os genes do genoma existe uma porção de DNA anterior ao gene que funciona como uma espécie de interruptor: um “sensor liga-desliga”, chamado de promotor. Exatamente como um sensor, a função desse promotor é identificar a presença de certos sinais no meio que dizem se aquele gene deve ser ativado (transcrito para produzir sua proteína) ou não. O gene CCL2 é um gene que é ativado quando existem no meio as citocinas pró-inflamatórias TNF-alfa ou IL-1, ou seja, o promotor desse gene “sente” a presença dessas citocinas e então ativa o gene CCL2. O que a equipe do Dr. Farshid Guilak fez foi remover então a sequência do gene CCL2 e colocar no lugar a sequência de genes produtores de moléculas inibitórias de TNF-alfa e IL-1 posicionada logo após o promotor do CCL2.
Como esperado, quando as células-tronco assim modificadas foram colocadas na presença de TNF-alfa ou IL-1, os genes inibitórios foram ativados. E o mais importante: cerca de 72h após o tratamento com TNF-alfa, a expressão dos genes inibitórios voltou aos níveis basais, uma vez que haviam já controlado a presença das citocinas TNF-alfa e IL-1, ou seja, mostrando que o sistema efetivamente se auto-regula.
Finalmente, os cientistas diferenciaram as células-tronco para células de cartilagem. A cartilagem é o tecido afetado na artrite reumatoide, uma doença inflamatória crônica tratada comumente com inibidores de TNF-alfa. As células controle (aquelas sem a modificação genética), quando submetidas a tratamento com TNF-alfa, mostraram altos níveis de produção de moléculas relacionadas à inflamação bem como altos níveis de destruição de componentes de matriz extracelular presentes no tecido cartilaginoso, como colágeno e agregan. Já nas células com a modificação genética que insere os genes produtores de inibidores de TNF-alfa ou IL1, isto não ocorreu, mostrando que de fato esta modificação genética teve o efeito desejado.
Este trabalho é mais um exemplo de como a associação da ferramenta CRISPR-Cas9 e de células-tronco abre inúmeras possibilidades terapêuticas a serem exploradas para o tratamento de diversas doenças. Em particular, os pesquisadores acreditam que esta estratégia, por possibilitar uma auto-regulação da liberação das moléculas inibitórias, assim evitando efeitos colaterais indesejados, poderia ser usada inclusive em estágios pré-sintomáticos de doenças inflamatórias crônicas, funcionando como uma espécie de vacina para tais doenças.
Brunger et al., Genome Engineering of Stem Cells for Autonomously Regulated, Closed-Loop Delivery of
Biologic Drugs. Stem Cell Reports. 2017 9;8(5):1202-1213.
http://www.cell.com/stem-cell-reports/fulltext/S2213-6711(17)30128-5