Parece coisa de ficção científica, mas não é: a medicina regenerativa já é capaz de transformar um tipo de célula diretamente em outro tipo desejado, sem necessidade de usar células-tronco – o nome desse processo é transdiferenciação celular e tem entusiasmado muitos cientistas
Nós já falamos bastante aqui no blog sobre as células-tronco pluripotentes induzidas – células que são resultado da reprogramação de células adultas, como células da pele, de forma que chegam a um estágio de diferenciação parecido com o de uma célula-tronco embrionária (pluripotentes). Essas células podem, então, se diferenciar em praticamente qualquer tipo celular, que pode, em seguida, ser usado para regenerar tecidos danificados.
Essa técnica tem sido muito estudada, mas uma outra possibilidade tem interessado os pesquisadores: eliminar a necessidade dessa reprogramação e transformar uma célula adulta diretamente no tipo de célula desejado, sem necessidade do estágio intermediário de célula-tronco pluripotente. Para isso, eles estudam fatores que poderiam alterar a expressão gênica de uma célula já diferenciada, fazendo com que ela expressasse genes diferentes – e, portanto, produzisse proteínas diferentes e tivesse sua função alterada.
Alguns resultados promissores já foram obtidos: pesquisadores da Universidade de Stanford conseguiram transformar células da cauda de camundongos em neurônios funcionais usando apenas três moléculas capazes de alterar a expressão gênica. O processo levou apenas cerca de duas semanas. Eles também conseguiram transformar células humanas da pele (fibroblastos) em neurônios.
Em um passo ainda maior na direção de aplicações terapêuticas concretas dessa técnica, um artigo publicado na revista Nature em 2011 relata a transdiferenciação de fibroblastos de camundongos e humanos em neurônios dopaminérgicos – os mesmos que são afetados na doença de Parkinson. Esse estudo abre, portanto, outra possibilidade para a medicina regenerativa, permitindo a obtenção de células dopaminérgicas de maneira eficiente, sem necessidade do processo que gera as células-tronco pluripotentes induzidas.
Mas quais as vantagens de usar o processo de transdiferenciação em vez da tecnologia de células-tronco pluripotentes induzidas? Bom, dependendo da metodologia utilizada, é possível que seja mais eficiente obter as células desejadas por transdiferenciação – e é possível que seja mais seguro também, pois as células em estágio pluripotentes têm maior risco de gerar tumores.
Além do impacto na medicina regenerativa por meio de terapias de substituição celular, outro resultado interessante foi publicado na revista Cell Stem Cell relatando que é possível controlar a idade das células produzidas – criando células mais jovens ou mais velhas do que a célula de origem. Assim, os cientistas podem estudar diretamente o processo de envelhecimento, obtendo células da idade desejada.
A eficiência do processo de transdiferenciação pode ser ainda maior usando células do sangue, como relatado na revista PNAS em junho de 2018. De acordo com os autores, foi possível obter uma conversão de células T do sangue em neurônios com taxa de eficiência de 6,2%, produzindo mais de 50 000 células a partir de 1 mL de sangue.
Nós já relatamos aqui que existem cientistas trabalhando para aumentar a eficiência da produção de células especializadas a partir das células-tronco pluripotentes induzidas, chegando a atingir 100% de eficiência. Isso sem falar nos robôs que fazem mini-órgãos a partir de células-tronco. Aparentemente, o setor da saúde vai contar com desenvolvimentos tecnológicos em diferentes abordagens para fazer avançar a medicina regenerativa, se valendo das diferentes propriedades de cada tipo de célula e tecnologia desenvolvida. Quem ganha com isso, esperamos, é a sociedade, com o crescimento nas possibilidades de aplicações clínicas.
Referências:
Shelly Fan. Transdifferentiation Can Create An Endless Supply of Brain Cells – And Fast. Singularity Hub. 2018.
Tanabe K et al. Transdifferentiation of human adult peripheral blood T cells into neurons. PNAS. 2018.
Caiazzo M et al. Direct Generation of functional dopaminergic neurons from mouse and human fibroblasts.Nature. 2011.
Mertens J et al. Directly Reprogrammed Human Neurons Retain Aging-Associated Transcriptomic Signatures and Reveal Age-Related Nucleocytoplasmic Defects. Cell Stem Cell. 2015.