Sistema experimental desenvolvido por pesquisadores americanos conta com neurônios derivados de células-tronco como plataforma de testes de medicamentos potencialmente prejudiciais à gravidez. Este sistema permitiu elucidar os mecanismos pelos quais um medicamento comumente usado no tratamento de epilepsia, o ácido valpróico, age sobre neurônios em desenvolvimento no cérebro fetal, causando doenças neurológicas e problemas cognitivos no bebê.
Mulheres grávidas são aconselhadas a evitar certos medicamentos durante o período gestacional por uma boa razão: estes medicamentos apresentam riscos ao feto, podendo levar ao aborto, malformações, alterações funcionais (como restrição do crescimento) ou ainda distúrbios neurocomportamentais. O risco é mais elevado no primeiro trimestre da gestação, porque é nesta fase que as divisões celulares e a diferenciação das células do embrião para formar diferentes tecidos e órgãos ocorrem com maior intensidade. Alguns dos medicamentos conhecidos por afetarem o desenvolvimento fetal incluem a talidomida, que pode causar malformações ou ausência de membros no feto, o ácido retinóico ou tretinoína, que pode acarretar em malformações craniofaciais, e o ácido valpróico ou valproato, que pode causar doenças neurológicas e levar a problemas cognitivos.
Estes medicamentos são chamados “agentes teratogênicos” e os mecanismos pelos quais eles causam problemas do desenvolvimento fetal não são ainda muito bem elucidados. Sabe-se que, em certos casos, os neurônios maduros não são afetados por estes agentes, mas sim por aqueles que estão em fase inicial de desenvolvimento. Por isso, os cientistas têm buscado formas de rastrear os mecanismos celulares de ação destes agentes enquanto o feto está em desenvolvimento.
Recentemente, pesquisadores americanos desenvolveram um sistema experimental que permite avaliar os efeitos patogênicos de um medicamento no cérebro de um feto em desenvolvimento. O sistema conta com células-tronco embrionárias diferenciadas em neurônios, oferecendo uma ferramenta poderosa para estudar os fundamentos genéticos e moleculares dos transtornos do neurodesenvolvimento induzidos por medicamentos. A pesquisa, que foi publicada na revista científica Cell Stem Cell, descreve o estudo dos efeitos do ácido valpróico, um medicamento comumente prescrito para o tratamento de crises epilépticas, sobre o desenvolvimento neuronal.
O Dr. Soham Chanda, que conduziu a pesquisa na universidade de Stanford e atualmente é professor em uma universidade no Colorado, explicou que durante o desenvolvimento fetal normal, os neurônios não estão todos em sincronia quanto ao nível de maturidade, sendo difícil distinguir entre um neurônio em desenvolvimento e um neurônio maduro, o que dificulta muito o entendimento dos reais efeitos dos agentes teratogênicos. No entanto, com o uso de células-tronco, é possível controlar a diferenciação dos neurônios e assim toda a população neuronal é “bloqueada” nos primeiros estágios de desenvolvimento, tornando-se gradualmente madura de maneira sincronizada.
Usando este sistema, os pesquisadores comprovaram que o ácido valpróico tem efeitos muito divergentes sobre neurônios em desenvolvimento em comparação a neurônios maduros. Quando os neurônios ainda eram imaturos, a exposição ao medicamento induziu mudanças na expressão gênica que levaram a graves deficiências na maneira como as células cerebrais funcionavam. Especificamente, descobriu-se que esses efeitos patogênicos são mediados por uma proteína chamada MARCKSL1, essencial para a maturação estrutural de neurônios recém-formados. Em contrapartida, o mesmo medicamento não causou nenhum efeito adverso em neurônios maduros.
Segundo o Prof. Chanda, o objetivo das pesquisas é entender os mecanismos fundamentais de como os neurônios desenvolvem suas propriedades morfológicas e funcionais, e como diferentes moléculas contribuem para esse processo. O conhecimento adquirido com este novo método pode ser aproveitado para descobrir riscos de medicamentos desconhecidos, bem como para desenvolver terapias preventivas para evitar os efeitos destes agentes sobre os fetos, quando seu uso pelas mães é imprescindível.
Referências
Chanda, S. et al. Direct Reprogramming of Human Neurons Identifies MARCKSL1 as a Pathogenic Mediator of Valproic Acid-Induced Teratogenicity. Cell Stem Cell 25 (2019) 1-17.
https://medicalxpress.com/news/2019-06-stem-cells-reprogrammed-neurons-reveal.html