Nova técnica direciona células-tronco para o tecido cardíaco

Nova técnica direciona células-tronco para o tecido cardíaco

Inspirados no mecanismo pelo qual a bactéria Streptococcus gordonii migra para o tecido cardíaco, cientistas da Universidade de Bristol produziram uma proteína capaz de se inserir na membrana de células-tronco e aumentar significativamente o direcionamento e a retenção dessas células no miocárdio de camundongos. Essa nova tecnologia pode ajudar a vencer um dos desafios no uso de terapias celulares para doenças cardíacas.

De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, representando 31% de todos os casos. Dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia indicam que, entre 2004 e 2014, mais de um milhão de óbitos tiveram como causa problemas cardíacos como infarto do miocárdio, angina e outras doenças isquêmicas do coração. A capacidade regenerativa do tecido cardíaco após lesão é muito baixa e, nesse contexto, têm sido amplamente estudadas, nos últimos anos, terapias celulares envolvendo células-tronco como uma tentativa de restaurar a função desse órgão.

Estudos pré-clínicos e clínicos apresentam resultados inconclusivos em relação à eficácia dessa abordagem para promover a regeneração do tecido cardíaco. Alguns estudos mostram efeitos positivos modestos, que têm sido atribuídos à ação parácrina das células-tronco por meio da secreção de fatores de crescimento, microvesículas e exossomos. Outros mecanismos propostos são uma possível integração funcional com cardiomiócitos, remodelamento da matriz extracelular e reparo da microvasculatura pelo recrutamento de monócitos e macrófagos.

Entre os diversos aspectos que precisam ser mais bem estudados e esclarecidos para o desenvolvimento de terapias celulares eficientes nessa área está a capacidade das células-tronco injetadas no organismo de migrar para a região lesionada e de permanecer no local por tempo suficiente para exercer seus efeitos terapêuticos. A taxa de retenção de células no tecido cardíaco varia de acordo com o modo de administração dessas células, tendo sido encontrados valores de 0% para injeção intravenosa, 2% para injeção intra-arterial e 10-15% para injeção intramiocárdica três dias após o transplante celular e com rápida diminuição após o período de 24 horas.

Essa baixa retenção de células no tecido cardíaco pode ser explicada por fatores como a baixa adesão das células ao local da lesão, via de administração celular ineficiente, fluxo hemodinâmico com alta turbulência, ambiente com condições desfavoráveis para a sobrevivência das células (como com baixa concentração de oxigênio), e presença de citocinas inflamatórias.

Pesquisadores da Universidade de Bristol, liderados pelo professor Adam Perriman, desenvolveram uma abordagem para aumentar o direcionamento e a retenção das células-tronco para o tecido cardíaco lesionado criando uma estrutura artificial que replica as propriedades de uma proteína presente na membrana da bactéria Streptococcus gordonii que, quando entra na corrente sanguínea, migra para o coração e causa endocardite. De acordo com o Dr. Perriman, essa foi a primeira vez que propriedades de bactérias responsáveis por sua capacidade de infectar um tecido alvo foram transferidas para células de mamíferos.

A proteína se chama adesina e uma parte dela se liga a uma glicoproteína do tecido cardíaco chamada fibronectina. A fibronectina está presente no tecido cardíaco saudável e a quantidade dessa glicoproteína aumenta consideravelmente após infarto do miocárdio. A estrutura artificial criada pelos cientistas tem, da mesma forma que a adesina das bactérias, alta afinidade para se ligar à fibronectina, e o seu uso mostrou resultados bastante promissores: ela se inseriu espontaneamente na membrana de células-tronco mesenquimais humanas, não apresentou citotoxicidade nem gerou respostas hematológicas em camundongos, podendo ser administrada tanto por via intravenosa como intramiocárdica.

Para testar a eficiência dessa tecnologia in vivo, o grupo injetou em camundongos células-tronco mesenquimais modificadas contendo a proteína criada por eles e células-tronco mesenquimais não modificadas, que funcionaram como controle para o experimento. Eles observaram que a presença de células-tronco mesenquimais modificadas no tecido cardíaco foi maior do que a presença das células não modificadas. De acordo com os pesquisadores, o processo responsável por esse aumento na presença das células-tronco no miocárdio envolve tanto o maior direcionamento seletivo das células para o tecido cardíaco como uma maior retenção delas no órgão.

Essa tecnologia tem potencial para ser usada na criação de outras adesinas para favorecer interações moleculares que levem ao direcionamento de diferentes tipos de células terapêuticas para outros tecidos, como cérebro, rins, fígado etc.

Referências

Sociedade Brasileira de Cardiologia Organização Pan-Americana de Saúde.

Buja LM. Cardiac repair and the putative role of stem cells. Journal of Molecular and Cellular Cardiology. 2019.

Xiao W et al. Designer artificial membrane binding proteins to direct stem cells to the myocardium. Chemical Science. 2019.

University of Bristol. Scientists hijack bacteria’s homing ability. 2019.


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