Você já imaginou o que pode acontecer com células-tronco no espaço? Cientistas têm enviado estas células para a Estação Espacial Internacional para estudar como o ambiente de gravidade quase nula afeta suas funções. Entender os mecanismos envolvidos no surgimento de doenças e desenvolver materiais para uso na medicina regenerativa tem sido o foco de diversas pesquisas realizadas no espaço. As possibilidades, assim como o universo, são infinitas.
A Estação Espacial Internacional (ISS, do inglês International Space Station) está em constante queda livre enquanto orbita ao redor do planeta Terra, o que significa que qualquer pessoa ou objeto dentro dela é submetido a um estado de ausência de peso, conhecido tecnicamente como microgravidade. Experimentos científicos realizados em condições de microgravidade permitem a exploração e o entendimento de fenômenos que, devido à influência da gravidade terrestre, ocorrem de maneira diferente do que se passa no planeta.
Grande parte dos experimentos realizados na ISS focam em pesquisas na área biomédica, incluindo diversos estudos com células-tronco. O ambiente de microgravidade da estação ajuda os pesquisadores a entender melhor o crescimento celular, expressão gênica, imunologia e outras facetas de sua biologia. A resposta das células-tronco à microgravidade é diferente para cada tipo celular: células-tronco embrionárias, por exemplo, se proliferam a uma taxa maior, porém mantêm seu estado não-diferenciado, enquanto células precursoras hepáticas e adiposas apresentam maiores taxas de diferenciação. Ambos os tipos de resposta podem ser interessantes e revelar informações a respeito de mecanismos moleculares e funções das células-tronco.
Muitos equipamentos podem simular a microgravidade na Terra e têm sido utilizados para estudos preliminares com células-tronco, porém, estes equipamentos não reproduzem exatamente as situações de exposição de longa duração a uma gravidade quase nula. Isto torna necessário enviar as células até a ISS para compreender como o ambiente no espaço afeta suas funções e capacidade regenerativa.
Entendendo doenças neurodegenerativas no espaço
Recentemente, diferentes instituições americanas de pesquisa em células-tronco (National Stem Cell Foundation,Summit for Stem Cell Foundation e New York Stem Cell Foundation) anunciaram uma colaboração com uma empresa também americana de pesquisa espacial, a Space Tango, para estudar doenças neurodegenerativas em ambiente de microgravidade. Modelos celulares humanos serão desenvolvidos com base no uso de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) derivadas de pacientes com doença de Parkinson e esclerose múltipla primária progressiva. As equipes de pesquisa irão converter as iPSCs em diferentes tipos de células cerebrais e a partir delas formar agregados 3D chamados organóides. Estes organóides irão conter células imunes do cérebro (micróglia), envolvidas no desenvolvimento de diversas doenças neurodegenerativas. O objetivo do estudo é analisar os processos neuroinflamatórios que ocorrem com estas doenças e assim entender por que e como a neurodegeneração acontece.
A engenharia dos equipamentos necessários para facilitar o transporte e a sobrevivência das células na ISS está sendo liderada pela empresa Space Tango. A empresa possui grande experiência em pesquisas espaciais e auxilia no ajuste de experimentos ao ambiente de microgravidade, utilizando um módulo experimental chamado CubeLab. Este módulo nada mais é que um cubo de 10 cm de lado, totalmente automatizado, no qual pode ser feito o cultivo celular e diversas análises para avaliação do desempenho das células. O lançamento do foguete que levará as células até a ISS está previsto para o próximo mês de maio.
Um coração vindo do espaço
A empresa americana Techshot, em uma iniciativa financiada pela agência espacial americana, NASA, desenvolveu uma instalação comercial de biofabricação para a ISS. Esta instalação,chamadaBFF(doinglêsBiofabricationFacility),contacomumaimpressora3Dpara realizar a bioimpressão de tecidos e órgãos no espaço. O primeiro projeto da empresa foca na obtenção de tecido cardíaco.
Mas por que imprimir órgãos no espaço e não na Terra?
A Techshot acredita que a microgravidade é o componente que falta para que finalmente se alcance com sucesso o objetivo de biofabricar órgãos em três dimensões. A engenharia de tecidos requer o uso de um material suporte onde as células possam ser depositadas e então crescer, sem que “desmoronem” neste processo. No entanto, o suporte pode ser um obstáculo à mobilidade de células, nutrientes e fatores de crescimento, dificultando ou impossibilitando a criação de pequenos espaços vazios, tais como vias vasculares ou linfáticas nos órgãos formados (falamos anteriormente aqui no blog sobre a bioimpressão 3D e suas atuais limitações, vale a pena relembrar). A microgravidade torna possível imprimir tecidos e órgãos sem utilizar um suporte.
Os testes iniciais na BFF focarão na impressão de tecido cardíaco utilizando células tronco adultas. A empresa irá então avaliar os resultados obtidos e aprimorar o equipamento com o objetivo de, futuramente, imprimir um coração completo. A Techshot prevê que a impressão de órgãos inteiros deve começar a acontecer até 2025 e a aceitação do processo por agências reguladoras deve levar ainda mais 10 anos.
Deixando um pouco de lado todos os desafios que esta iniciativa apresenta, podemos nos perguntar: qual será o custo de imprimir um coração no espaço e trazê-lo à Terra para um transplante? Será que esta é uma alternativa economicamente viável para os pacientes que precisam?
Segundo a Techshot, os órgãos fabricados na BFF com células-tronco do próprio paciente seriam totalmente compatíveis com seu organismo, tornando desnecessário o uso de medicamentos após o transplante para evitar que uma rejeição ocorra. Logo, estima-se que os órgãos fabricados na BFF terão um custo menor do que o conjunto completo de custos que tem um paciente de doença crônica, que precisa de uma vida inteira de terapias medicamentosas e, possivelmente, múltiplos transplantes.
A NASA planeja enviar a BFF para a ISS para poder dar início às atividades deste projeto no próximo mês de maio.
Assim como as iniciativas citadas neste artigo, muitas outras pesquisas com células-tronco já foram realizadas ou estão em andamento na ISS. Se você deseja saber um pouco mais sobre estas pesquisas, acesse o website da NASA na seção “Pesquisa e Tecnologia” clicando aqui.
Referências
O que é microgravidade?
http://www.las.inpe.br/~microg/oquee.htm
Pesquisas sobre doença de Parkinson e esclerose múltipla no espaço:
https://www.prnewswire.com/news-releases/unique-collaboration-utilizing-the-international-spac e-station-accelerates-parkinsons-disease-and-multiple-sclerosis-research-300735809.html?tc= eml_cleartime
Impressão 3D de tecido cardíaco no espaço:
https://www.nasa.gov/mission_pages/station/research/experiments/2643.html
https://www.bbc.com/news/business-46944972
Artigo científico: Células tronco e regeneração tecidual em microgravidade