Produtos de terapia avançada aprovados – Parte 2 (Engenharia Tecidual)

Produtos de terapia avançada aprovados – Parte 2 (Engenharia Tecidual)

A engenharia tecidual combina as áreas de engenharia de materiais e biologia celular com o objetivo de criar tecidos e órgãos funcionais. Os produtos de engenharia tecidual fornecem alternativas para tratamentos convencionais de diversas condições que afetam milhões de pacientes em todo o mundo, buscando superar as limitações apresentadas pelas abordagens tradicionais. Um crescimento expressivo é projetado para o mercado destes produtos ao longo dos próximos anos, e alguns deles já foram aprovados e estão disponíveis. Confira a lista neste post!

 

A engenharia tecidual, também chamada de engenharia de tecidos, tem como objetivo principal o desenvolvimento de tecidos biológicos funcionais pela combinação de células, fatores bioquímicos ou mecânicos, e materiais. Empregando métodos que combinam biologia e engenharia a problemas clínicos, esta abordagem da medicina regenerativa busca restaurar a função de tecidos e órgãos. Assim, ao recapitular o processo normal do desenvolvimento tecidual, a engenharia de tecidos representa uma estratégia interessante para restaurar, manter e melhorar a função de tecidos, visando, em última instância, a completa substituição de órgãos.

O comprometimento funcional de tecidos e órgãos é um problema de saúde grave e oneroso, uma vez que sua substituição é limitada pela disponibilidade de doadores compatíveis. Próteses e substitutos artificiais podem melhorar a vida de milhões de pacientes, mas não são ideais, pois estão sujeitos a falhas mecânicas a longo prazo. Além disso, estes dispositivos raramente se integram ao tecido nativo e podem desencadear uma resposta imune que danifica o tecido saudável ao redor do implante. Outro problema está relacionado à reconstrução cirúrgica de tecidos e órgãos a partir de enxertos autólogos, como é o caso do transplante de veia safena como by-pass em cirurgia de revascularização, por exemplo. Muitas vezes, o implante não substitui todas as funções do tecido original e existe ainda o risco de complicações cirúrgicas e morbidade nos locais doadores. Assim, a engenharia de tecidos surgiu como uma abordagem alternativa aos tratamentos convencionais, buscando superar as limitações por eles apresentadas.

Os três pilares fundamentais da engenharia de tecidos são as células, os biomateriais e moléculas bioativas. As células de maior interesse, assim como no caso da terapia celular, são as células-tronco. Combinadas com técnicas de manipulação genética, estas células oferecem inúmeras possibilidades para aplicações na engenharia dos mais diversos tecidos e órgãos. As células usadas na engenharia tecidual podem ser tanto autólogas (obtidas do próprio paciente) ou alogênicas (doadas por outra pessoa).

Tipicamente, as células são semeadas em um suporte (ou arcabouço) biodegradável que funciona como uma matriz extracelular artificial, chamado scaffold, e que pode ser produzido com materiais de origem natural ou sintética. Na presença de moléculas como fatores de crescimento ou estímulos, como forças mecânicas, o conjunto células-scaffold é maturado in vitro em um biorreator. Há ainda uma técnica alternativa, que abre mão do uso de scaffolds biodegradáveis para o cultivo celular. Trata-se da abordagem conhecida como scaffold-free na qual camadas de células são cultivadas sobre placas e depois removidas como finas folhas, chamadas de cell sheets.

Um número cada vez maior de empresas tem investido na área e há uma clara tendência de crescimento do mercado de produtos de engenharia de tecidos nos próximos anos. Segundo a agência de pesquisa de mercado Market Research Future, o mercado global de engenharia de tecidos tende a atingir cerca de 53 milhões de dólares americanos em 2024. O crescimento no mercado é impulsionado pelo envelhecimento da população e pelo aumento na incidência de doenças crônicas e infecciosas, além do desenvolvimento de técnicas que permitem a obtenção de materiais de maneira acessível, como a emergente técnica de bioimpressão 3D.

Confira abaixo a lista dos produtos avançados de engenharia tecidual aprovados para comercialização ao redor do mundo:

 

1 – Epicel (empresa VERICEL) 

Produto para substituição permanente da pele, produzido a partir das células da pele do paciente. Os queratinócitos autólogos são co-cultivados com células murinas irradiadas para formar autoenxertos epidérmicos. Epicel é indicado para o tratamento de queimaduras dérmicas profundas ou de espessura total. Epicel tem sido usado nos EUA e em outros países desde 1988; aprovado nos Estados Unidos em 2007 como um Dispositivo de Uso Humanitário.

 

2 – Ossron (RMS – REGENERATIVE MEDICAL SYSTEMS)

Células ósseas autólogas cultivadas in vitro para o tratamento de fraturas e necrose avascular da cabeça do fêmur. Aprovado na Coreia do Sul em 2009, aprovado na Índia em 2017.

 

3 – MACI (VERICEL)

Condrócitos autólogos cultivados em membrana de colágeno suíno. Indicado para o reparo de lesões sintomáticas da cartilagem do joelho, com ou sem comprometimento ósseo. Aprovado pelo FDA dos EUA em dezembro de 2016.

 

4 – Omnigraft (INTEGRA)

Uma matriz de regeneração dérmica avançada de dupla camada para o tratamento de úlceras do pé diabético. Aprovado pelo FDA em 2016.

 

5 – CardioCel (ADMEDUS)

Uma estrutura cardiovascular que facilita as células-tronco endógenas e outras células a regenerar e reparar o tecido danificado para o tratamento de anormalidades cardiovasculares. Comercializado nos EUA sob a liberação 510 (k) a partir de 2014; comercializado na Europa sob a marca CE em 2013; recebeu licença de dispositivo médico no Canadá em 2014; aprovado em Cingapura em 2015.

 

6 – Spherox, antes chamado Chrondosphere (CO.DON AG)

Produto contendo esferóides de condrócitos autólogos humanos para uso em defeitos da cartilagem. Comercializado na Europa a partir de 2017; comercializado na Alemanha desde 2007.

 

7 – ReNovaCell (AVITA MEDICAL)

Um dispositivo de coleta de células autólogas que permite criar uma suspensão epitelial regenerativa usando a amostra da pele do paciente para o tratamento de descoloração da pele. Comercializado na Europa a partir de 2016.

 

8 – ReGenerCel (AVITA MEDICAL)

Um dispositivo de coleta de células autólogas que permite criar uma suspensão epitelial regenerativa usando a amostra da pele do paciente para o tratamento de úlceras. Comercializado na Europa a partir de 2015.

 

9 – Vergenix FG (COLLPLANT)

Dispositivo composto de colágeno humano tipo I recombinante para uso no tratamento de feridas. Comercializado na Europa a partir de 2016.

 

10 – Vergenix STR (COLLPLANT) 

Uma matriz feita de colágeno tipo I para uso no tratamento de doenças do tecido conjuntivo. Comercializado na Europa a partir de 2016.

 

11 – Aurix (NUO THERAPEUTICS)

Gel de plasma rico em plaquetas preparado a partir de uma pequena amostra de plaquetas e plasma do próprio paciente como um catalisador para a cicatrização indicado para o tratamento de feridas. Comercializado nos EUA sob a Seção 361 para Plasma Rico em Plaquetas e sob autorização 510 (k) em setembro de 2007.

 

12 – Hyalograft 3D (CHA BIO&DIOSTECH CO LTD)

Uma terapia celular que cultiva fibroblastos de pele autólogos em estruturas 3D formadas de derivados de ácido hialurônico para o tratamento de úlceras de pé diabético. Aprovado condicionalmente na Coreia do Sul em julho de 2007.

 

13 – Holloderm (TEGO SCIENCES)

Camadas de queratinócitos autólogos obtidos de biópsia de pele e cultivados in vitro. O dispositivo é transplantado para a ferida e auxilia na regeneração da derme. O Holloderm é indicado para o tratamento de doenças da pele como queimaduras, vitiligo, nevos e cicatrizes. Aprovado na Coréia do Sul em 2002.

 

14 – Kaloderm (TEGO SCIENCES) 

Terapia alogênica, que consiste de um enxerto de uma folha epidérmica cultivada a partir de queratinócitos, e é utilizada para tratar queimaduras profundas de segundo grau e úlceras nos pés presentes em pacientes diabéticos. Aprovada na Coreia do Sul para queimaduras em 2005 e úlceras nos pés diabéticos em 2010.

 

15 – Heart Sheet (TERUMO BCT)

Camadas de células humanas autólogas derivadas de mioblastos esqueléticos transplantadas sobre a superfície do coração do paciente para o tratamento de insuficiência cardíaca grave. Aprovado no Japão em 2015 (aprovação por tempo limitado, condicionada à manutenção da vigilância pós-comercialização).

 

16 – Transcyte (ORGANOGENESIS)

Um substituto de pele feito por engenharia de tecidos constituído de uma malha de nylon e uma camada de silastic semi-permissível e biocompatível para o tratamento da Epidermólise Bolhosa. Aprovado pelo FDA em 1998, adquirido pela Organogenesis da Shire em 2014.

 

17 – Apligraf (ORGANOGENESIS, INC. & NOVARTIS AG)

Substituto de pele com duas camadas, sendo uma camada epidérmica, formada por queratinócitos humanos e outra dérmica, formada por fibroblastos humanos em uma matriz de colágeno bovino tipo I. Apligraf é indicado para o tratamento de úlceras venosas crônicas da perna e úlcera do pé diabético. Aprovado pelo FDA dos EUA em julho de 1998 e junho de 2000, respectivamente.

 

18 – Dermagraft (ORGANOGENESIS)

Substituto dérmico usado para ajudar no fechamento de feridas nas úlceras do pé diabético. É constituído de células humanas (fibroblastos), colocadas em uma matriz bioabsorvível. A Organogenesis adquiriu o Dermagraft da Shire em 2014. Aprovado pelo FDA dos EUA em setembro de 2001.

 

19 – JACC (J-TEC)

Produto de combinação de condrócitos autólogos cultivados em gel de colágeno. Aprovado no Japão em 2012 para o alívio dos sintomas clínicos de doença traumática ou osteocondrite dissecante da cartilagem do joelho.

 

20 – JACE (J-TEC)

Folha de células epidérmicas produzida a partir de queratinócitos isolados do próprio tecido da pele do paciente. Aprovado no Japão em 2007 para uso em pacientes com queimaduras dérmicas profundas. Também aprovado no Japão em 2016 para tratar pacientes após a excisão de nevos melanocíticos congênitos gigantes para facilitar o fechamento da ferida.

 

21 – Ortho-ACI (ORTHOCELL)

Matriz celularizada com condrócitos autólogos para tratar lesões sintomáticas da cartilagem articular, predominantemente no joelho e tornozelo. Aprovado na Austrália em 2017.

 

22 – Novocart 3D (AESCULAP BIOLOGICS)

Estruturas tridimensionais constituídas de colágeno e sulfato de condroitina com condrócitos autólogos incorporados. Comercializado na UE para reparo de cartilagem articular desde 2003.

 

Vale ressaltar que ainda não há produtos de engenharia tecidual aprovados para comercialização no Brasil. No entanto, pesquisadores e empresários têm empenhado muitos esforços para que isso seja realidade, suportados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA, por meio de uma base regulatória robusta e alinhada com agências internacionais. 

No próximo post vamos falar sobre os produtos de terapia gênica, dentre os quais já temos alguns com registro para comercialização aprovado aqui no Brasil. 

 

Referências

 

Dolcimascolo, A. et al. Innovative biomaterials for tissue engineering. In: Biomaterial-supported tissue reconstruction or regeneration. Eds. Barbeck, M.; Jung, O.; Smeets, R. IntechOpen (2019).

 

Market Research Future (2019). Global tissue engineering market: information by material (nano-fibrous material, biomimetic material and others), application (orthopedics, musculoskeletal and spine, cancer, skin/integumentary, dental, cardiology and others) and region – Forecast till 2024. https://www.marketresearchfuture.com/reports/tissue-engineering-market-2134

 

Lista de produtos de terapia avançada no site Alliance for Regenerative Medicine: https://alliancerm.org/available-products/

 

Documento do RENETA – Cenário de crescimento de terapias avançadas no Brasil e no mundo – https://bef226c9-51c9-4f4d-b45d-485faa781332.filesusr.com/ugd/92716b_1460bdc1e1da4d56813cb91f27c853d9.pdf


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