Seda da teia de aranhas: um inusitado biomaterial para o cultivo de células-tronco

Seda da teia de aranhas: um inusitado biomaterial para o cultivo de células-tronco

A seda das aranhas é um material com excelentes propriedades mecânicas e biocompatibilidade e, por isso, muito interessante para a engenharia de tecidos. Um estudo recente mostra que células-tronco podem ser facilmente integradas a um material microfibroso constituído de um equivalente da proteína da seda das aranhas produzido em laboratório, fornecendo estruturas celularizadas com elevado potencial para uso na regeneração de tecidos e órgãos.

A seda, um material cujo uso já é bastante consolidado na indústria têxtil, vem sendo explorada também para uso como biomaterial para uma variedade de aplicações, incluindo engenharia de tecidos. Suas propriedades mecânicas excelentes, além de boa biocompatibilidade e biodegradabilidade, tornam esta substância muito interessante para aplicações na medicina regenerativa. A seda é feita de proteínas grandes e complexas que são produzidas nas glândulas de artrópodes, como bichos-da-seda e aranhas. No bicho-da-seda, o principal componente do fio da seda é uma proteína chamada fibroína, enquanto nas fibras produzidas pelas aranhas, a principal proteína se chama spidroína.

A fibroína tem seu uso difundido na engenharia de tecidos, mas a seda produzida por aranhas também já foi empregada com sucesso em estudos na área de medicina regenerativa, como na regeneração de nervos periféricos. Suas propriedades mecânicas são consideradas excepcionais e contribuem muito para seu bom desempenho na engenharia de tecidos. No entanto, a dificuldade de produzir este material a nível industrial limitou não só seu uso na indústria têxtil como também na área biomédica. As aranhas são animais predadores, difíceis de criar em cativeiro e, além disso, produzem pequenas quantidades de seda. Alternativas para a produção de proteínas da seda de aranha tiveram que ser desenvolvidas para se obter este material. Por isso, os cientistas criaram uma forma de produzir a spidroína recombinante (proteína recombinante é uma proteína produzida artificialmente com o uso da engenharia genética – no caso da spidroína, uma bactéria teve seu código genético alterado pelos cientistas para passar a produzi-la). O uso de técnicas de engenharia genética também permitiu aos cientistas incluir na estrutura da spidroína moléculas que facilitam sua interação com células humanas, promovendo a adesão das células ao material.

Em um estudo publicado no ano passado, uma equipe de pesquisadores suecos descreveu a capacidade da spidroína recombinante de se auto organizar e formar microfibras, sob condições específicas. Há poucas semanas, esta mesma equipe publicou um trabalho em que conseguiu integrar células-tronco às redes de microfibras da spidroína recombinante, conseguindo assim fornecer às células um ambiente tridimensional muito semelhante à matriz extracelular natural (a matriz extracelular é o suporte natural das células nos tecidos e órgãos dos organismos vivos). Alguns dos integrantes da equipe de pesquisadores tem participação na Spiber Technologies AB, empresa que comercializa biomateriais obtidos a partir da proteína da seda de aranhas recombinante.

Normalmente, as abordagens da engenharia de tecidos envolvem a produção de materiais com características mais semelhantes possíveis com a matriz extracelular, e posterior cultivo das células utilizando estes materiais como suportes. No entanto, fazer com que as células se integrem ao suporte pronto é uma tarefa muito difícil. Os suecos afirmam que com a técnica desenvolvida por eles, as células já são integradas ao material ao mesmo tempo em que ele se auto-organiza, e isto elimina as dificuldades relacionadas às outras abordagens.

No total, os cientistas combinaram 12 tipos de células com o material feito de seda, dentre elas, células-tronco humanas e também de ratos. A quantidade de células integradas ao material pode ser facilmente ajustada para reproduzir os mais diferentes tipos de tecidos, desde cartilagem – no qual a densidade de células é pequena – até o fígado – um órgão com alta densidade celular. A diferenciação das células-tronco no material foi bem-sucedida: células-tronco mesenquimais humanas foram diferenciadas a células de gordura (adipócitos), produzindo gotículas de lipídeos, e a células ósseas (osteoblastos) depositando minerais na matriz extracelular artificial. Além disso, com o cultivo de células endoteliais (células presentes na superfície interna de vasos sanguíneos) nos materiais, redes de pequenos vasos sanguíneos foram formadas.

Segundo a equipe de pesquisadores, como a formação do material ocorre simultaneamente com a integração das células, estas podem migrar e se conectar umas com as outras. O material formado pelas fibras de seda serve como um suporte tridimensional mecanicamente estável. Dessa forma, propriedades naturais das células e tecidos humanos são reproduzidas, como a capacidade de proliferação celular em 3D, diferenciação e formação de uma rede vascular. Ainda, afirmam que o método – que conta com a auto-organização do material – é mais rápido e prático que o uso de técnicas de impressão 3D, por exemplo, e que por ser relativamente simples, pode ser amplamente implementado como procedimento padrão em qualquer laboratório de células, tornando culturas 3D quase tão fáceis de se obter quanto culturas de células em 2D. As possíveis aplicações deste material variam desde a construção de modelos de órgãos em miniatura in vitro para testes de medicamentos até o desenvolvimento de órgãos em tamanhos maiores para atender as demandas de transplantes.

Referências

Johansson, U. et al. Assembly of functionalized silk together with cells to obtain proliferative 3D cultures integrated in a network of ECM-like microfibers. Nature – Scientific Reports 9 (2019) 6291.

Stark, M. et al. Macroscopic fibers self-assembled from recombinant miniature spider silk proteins. Biomacromolecules 8 (2007) 1695-1701.

Widhe, M. et al. A fibronectin mimetic motif improves integrin mediated cell biding to recombinant spider silk matrices. Biomaterials 74 (2016) 256-266.

Rising, A. Controlled assembly: A prerequisite for the use of recombinant spider silk in regenerative medicine? Acta Biomaterialia 10 (2014) 1627-1631.

Nilebäck, L. et al. Interfacial behavior of tecombinant spider silk protein parts reveals cues on the silk assembly mechanism. Langmuir 34 (2018) 11795-11805.


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