Pequenas vesículas liberadas por células-tronco mesenquimais possuem propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias e podem futuramente ser usadas no tratamento da doença de Alzheimer, segundo os resultados de um estudo com camundongos realizado por um grupo de pesquisadores italianos. As vesículas, administradas por via intranasal, mostraram-se capazes de reduzir o processo inflamatório cerebral que constitui um dos fatores primordiais no desenvolvimento da doença.
A doença de Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo que se manifesta apresentando deterioração de funções cognitivas como memória de curto prazo, linguagem, atenção e concentração, bem como alterações comportamentais que se agravam ao longo do tempo. Quando diagnosticada no início, é possível retardar o seu avanço e ter mais controle sobre os sintomas, garantindo melhor qualidade de vida ao paciente e à família. Contudo, não há ainda uma cura definitiva (para saber mais sobre a doença, acesse o portal do Ministério da Saúde e o site da Associação Brasileira de Alzheimer).
Acredita-se que a causa da doença de Alzheimer esteja relacionada a duas proteínas, chamadas beta-amiloide e tau, que estão presentes no cérebro de pessoas saudáveis e desempenham funções específicas, incluindo neuroproteção. No caso de pacientes da doença de Alzheimer, a produção dessas proteínas sai do controle e leva à formação de estruturas anômalas, como placas amiloides e emaranhados de tau. Essas estruturas se acumulam ao longo de muitos anos, em diferentes regiões do cérebro, e causam perda progressiva de neurônios nesses locais. Embora se acredite que os acúmulos anormais dessas proteínas no cérebro desempenhem um papel central na doença de Alzheimer, evidências crescentes sugerem que o processo de inflamação também é fundamental para o seu desenvolvimento. Isso aponta para a possibilidade de se explorar as células imunes do cérebro como uma maneira de retardar a progressão da doença.
Muitos grupos de pesquisa vêm investigando diversas possibilidades a fim de desenvolver uma abordagem terapêutica segura e eficaz para a doença de Alzheimer. Vimos em um post anterior que as células-tronco, em especial células-tronco mesenquimais (CTMs), têm potencial para ajudar no tratamento ou mesmo na cura da doença de Alzheimer de pelos menos três maneiras diferentes:
- Possuem ação anti-inflamatória, migrando automaticamente para locais onde há inflamação;
- Podem funcionar como veículos para o transporte de medicamentos especificamente para áreas onde há processos inflamatórios sendo desenvolvidos;
- Podem liberar substâncias que restauram o funcionamento cerebral.
Dentre as substâncias liberadas pelas CTMs estão pequenas estruturas chamadas vesículas extracelulares (VEs). Trata-se de estruturas heterogêneas envolvidas por membranas, com tamanho variando de aproximadamente 40 a 1.000 nanômetros (muito menores que um fio de cabelo, que tem espessura média de 70.000 nanômetros). Essas vesículas podem ter conteúdo diversificado, como proteínas, lipídeos e material genético, e foram identificadas como peças-chave na comunicação entre muitos tipos de células. Por isso, as VEs emergiram como mediadores críticos de muitas ações das CTMs, incluindo a imunomodulação, ou seja, sua capacidade de atuar sobre o sistema imune. Os efeitos benéficos das VEs derivadas de CTMs (VEs-CTMs) na regulação da inflamação observada na doença de Alzheimer já haviam sido relatados em alguns estudos realizados em ratos. Nesses estudos anteriores, as VEs-CTMs foram administradas por via intravenosa ou diretamente no fluido presente dentro das câmaras do cérebro (ventrículos cerebrais), por um período prolongado de semanas ou meses.
Porém, um grupo de pesquisadores liderado pela Dra. Silvia Coco, da Universidade de Milano-Bicocca, em Milão, Itália, desenvolveu uma abordagem diferente e bem menos invasiva para a administração dessas vesículas. O trabalho foi publicado na semana passada no periódico Stem Cells Translational Medicine. A administração das VEs-CTMs foi feita através das fossas nasais e a dosagem ocorreu por um período muito mais curto. A equipe conduziu seu estudo in vitro (fora de um organismo vivo) e in vivo (dentro de um organismo vivo).
Os pesquisadores começaram coletando CTMs da medula óssea de doadores humanos saudáveis e as pré-condicionaram com proteínas chamadas citocinas (ou seja, cultivaram-nas na presença dessas substâncias), a fim de ampliar a capacidade anti-inflamatória das CTMs e aumentar a liberação de VEs. Dando continuidade à parte in vitro do estudo, a equipe adicionou as VEs-CTMs resultantes à micróglia – células que mediam as respostas imunes no sistema nervoso central e, como tal, são alvos na doença de Alzheimer – isolada de camundongos C57BL/6 recém-nascidos (esses camundongos são criados especialmente para serem usados no estudo de doenças, incluindo a doença de Alzheimer). As aplicações foram feitas em intervalos de 2 e 24 horas. Os resultados foram analisados 48 horas após a aplicação final.
Para a parte in vivo do estudo, a equipe administrou duas doses de VEs-CTMs a um grupo de camundongos fêmeas com 7 meses de idade que possuíam sintomas comuns ao Alzheimer. As aplicações foram feitas através das fossas nasais, com a segunda dose ocorrendo apenas 18 horas após a primeira. Quando avaliaram os resultados 21 dias depois, descobriram que, assim como haviam visto nos experimentos in vitro, as VEs-CTMs haviam reduzido a ativação das células da micróglia nos cérebros dos camundongos e aumentado a densidade de estruturas cerebrais chamadas espinhas dendríticas, responsáveis pela resiliência cognitiva (ou a capacidade do cérebro de resistir à deterioração causada pela doença de Alzheimer).
Segundo a Dra. Silvia Coco, o aspecto mais marcante do estudo é o fato de que os efeitos observados foram alcançados por apenas duas injeções intranasais de VEs-CTMs administradas com apenas algumas horas de intervalo, o que pode ter ocorrido porque as VEs entregues por via intranasal podem atingir níveis mais altos no cérebro do que as entregues por outros métodos. Ainda, segundo a líder da pesquisa, os resultados obtidos reforçam a visão de que outros mecanismos de ação, além da remoção de placas amilóides do cérebro, merecem uma grande atenção no tratamento da doença de Alzheimer.
O Dr. Anthony Atala, editor-chefe da revista onde o trabalho foi publicado e diretor do Instituto Wake Forest para Medicina Regenerativa, afirmou que os resultados deste estudo, que explorou o papel anti-inflamatório e neuroprotetor das VEs derivadas de CTMs, apresentam uma excelente oportunidade para terapias potencialmente eficazes a serem testadas em ensaios clínicos em humanos.
Referências
Intranasal delivery of MSCs provides hope for treating Alzheimer’s disease (05/06/2020): https://medicalxpress.com/news/2020-06-intranasal-delivery-mscs-alzheimer-disease.html
Associação Brasileira de Alzheimer: http://abraz.org.br/web/sobre-alzheimer/o-que-e-alzheimer/
Ministério da Saúde: Alzheimer – o que é, causas, sintomas, tratamento, diagnóstico e prevenção – https://saude.gov.br/saude-de-a-z/alzheimer