Gel feito de colágeno de pele de tilápia tem propriedades mecânicas similares às do cérebro humano e influencia a diferenciação de células-tronco em neurônios

Gel feito de colágeno de pele de tilápia tem propriedades mecânicas similares às do cérebro humano e influencia a diferenciação de células-tronco em neurônios

Cientistas utilizaram colágeno extraído de pele de tilápia para produzir géis com propriedades mecânicas similares às do cérebro humano. Células-tronco cultivadas sobre os géis se diferenciaram em diferentes tipos de neurônios, conforme a resistência mecânica do biomaterial. Géis mais resistentes levaram a maiores níveis de diferenciação em neurônios tipicamente presentes no córtex cerebral. Terapias regenerativas para doenças que afetam esta região do cérebro podem ser desenvolvidas futuramente utilizando a abordagem apresentada no estudo.

Como vimos anteriormente aqui no blog, as propriedades mecânicas do material utilizado de suporte para o crescimento celular são cruciais na determinação do destino de células-tronco, podendo controlar a forma como elas se proliferam e diferenciam. Levando isto em conta, uma equipe de pesquisadores coreanos e japoneses utilizou colágeno extraído da pele de tilápia para produzir géis com propriedades mecânicas semelhantes às do tecido cerebral humano e utilizou estes biomateriais como suporte para o crescimento de células-tronco. Com isso, o objetivo dos pesquisadores foi de verificar o efeito da resistência mecânica do suporte no direcionamento da diferenciação destas células emdiferentes tipos de neurônios.

A pele de tilápia foi escolhida como fonte de colágeno pois o uso desta molécula extraída de peixes, ao invés de mamíferos como bois e porcos, para a produção de biomateriais que possam vir a ser implantados reduz a possibilidade de transmissão de doenças animais aos humanos, como a encefalopatia espongiforme bovina (conhecida como doença da vaca louca). Além disso, a pele da tilápia pode ser facilmente obtida como um resíduo da indústria alimentícia, sendo assim uma fonte de colágeno relativamente barata e abundante. Utilizando o colágeno em combinação com outras substâncias químicas que promovem o reforço mecânico de sua estrutura – por meio de um processo chamado de “reticulação” – os cientistas conseguiram fabricar géis com características mecânicas similares às do cérebro. A reticulação do colágeno ocorre pela ação de substâncias que promovem ligações cruzadas entre diferentes pontos da molécula, formando “pontes” que reforçam sua estrutura, e permite aos cientistas ajustar as propriedades mecânicas dos géis de colágeno conforme desejado. Neste caso, diferentes níveis de reticulação levaram à formação de géis com resistências mecânicas similares às do tecido cerebral em diferentes estágios de seu desenvolvimento.

Durante o início do desenvolvimento do sistema nervoso central, o cérebro humano é dividido em três partes, chamadas de prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. Diferentes subtipos de neurônios estão presentes em cada uma destas regiões e os pesquisadores avaliaram como as propriedades mecânicas do microambiente extracelular direcionam as células-tronco a diferentes linhagens neuronais.

Os estudos foram realizados por meio do cultivo de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) em vários géis, sendo o gel com menor resistência mecânica chamado “macio” e o gel mais resistente chamado “rígido”. Os cientistas investigaram a diferenciação das iPSCs em linhagens neuronais nestes géis, expondo as células a meio de cultura contendo substâncias específicas que induzem sua diferenciação a estas linhagens. Em estágios iniciais de diferenciação, ou seja, nos 5 primeiros dias de cultivo das células, os marcadores celulares que indicam a pluripotência diminuíram, enquanto os marcadores que indicam sua diferenciação em linhagens neuronais aumentaram. Isso ocorreu para todos os géis, tanto os mais macios quando os mais rígidos, indicando que a diferenciação a linhagens neuronais ocorre independentemente da resistência mecânica do gel de colágeno.

Em seguida, os pesquisadores estudaram o quanto a rigidez da matriz influencia no direcionamento das iPSCs a diferentes subtipos neuronais. Para isso, avaliaram marcadores expressos por neurônios de diferentes regiões do cérebro e observaram que, em géis rígidos, houve uma predominância de neurônios característicos da região mais frontal do cérebro em desenvolvimento, o prosencéfalo. Investigando mais a fundo, avaliaram outros marcadores e constataram que as iPSCs se diferenciaram em neurônios do tipo corticais dorsais. Quanto mais rígido o gel, maior foi a expressão de marcadores relacionados a este tipo de neurônios.

A produção de neurônios corticais dorsais a partir de iPSCs em géis de colágeno pode ser útil na modelagem de doenças que envolvem a região cortical do cérebro (córtex cerebral) e desenvolvimento de novos medicamentos, bem como em terapias regenerativas para disfunções que afetam esta região, como é o caso da doença de Huntington e também da doença de Alzheimer.


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